Opinião – Teto dos gastos é símbolo de austeridade, mas não uma vaca sagrada

26/11/2021 15:12

Articulista defende que esforços do país devem ser para superar a pobreza e gerar empregos….

Moedas, dinheiro, Real. Brasilia. Foto: Sérgio Lima

A renda das famílias está em queda, em razão da aceleração da inflação, redução das transferências do governo, e aumento da incerteza política e econômica. Essa combinação de fatores tem provocado reduções nas vendas no varejo e no faturamento dos serviços, até então, os motores da recuperação econômica. Embora o risco fiscal tenha se agravado com a PEC dos Precatórios, o teto dos gastos, símbolo da austeridade fiscal, não é uma vaca sagrada intocável.

A nova regra na PEC reposiciona ou recalcula o teto dos gastos ao fazer com que ele seja corrigido pela inflação no final do ano, e não mais a apurada nos 12 meses até junho. Além disso, um maior espaço para despesas é oferecido pela possibilidade de postergação do pagamento de parte dos precatórios, os de alto valor, para exercícios futuros.

A economia começa a sinalizar perda de força, e é preciso sustentar algum dinamismo à atividade em 2022. Também auxiliar as famílias mais vulneráveis, aquelas que mais sofrem com a queda do poder de compra causado pela inflação elevada.

Em 2020, tivemos a condição de calamidade pública possibilitando qualquer ampliação de gasto social e sanitário, em que o teto dos gastos ficou adormecido, e nem por isso o país perdeu tanta credibilidade. O governo adotou o auxílio emergencial como forma de suportar, ainda que temporariamente, a demanda e a renda das famílias. Os quase R$ 300 bilhões pagos em 2020, em termos do auxílio, foram fundamentais para sustentar as pessoas na informalidade, que de uma hora para outra tiveram suas fontes de renda cessadas com o fechamento das empresas O comércio naturalmente se beneficiou desse suporte, e foi o 1º setor que apontou recuperação do nível de atividade, ainda em junho de 2020.

Este ano, até o momento, foram pagos cerca de R$ 60 bilhões, e mesmo sem estarmos na situação de calamidade, o benefício foi estendido para certificar algum fôlego às famílias mais pobres e vulneráveis, possibilitando o consumo.

Assim como ocorreu com o auxílio emergencial, gasto postergado no orçamento de 2021 mesmo sem a calamidade, mexer no teto dos gastos se o intuito é beneficiar as famílias mais expostas à pobreza é uma iniciativa que deve ser louvável. Isso, obviamente, guardadas as críticas de caráter político sobre outros gastos, para os quais há mecanismos constitucionais de ajuste, incluindo ações no âmbito do STF, como estamos observando no caso das despesas de emendas de relator.

A discussão relevante no país hoje, diante dos desafios que o pós-pandemia tem apresentado para a economia doméstica e mundial, deve estar centrada na superação da pobreza e na capacidade de geração de empregos. É notório que quanto maior e mais duradouro o descontrole fiscal, menor será o crescimento econômico no longo prazo, necessário para a redução da pobreza estrutural no país e investimentos produtivos capazes de melhorar a empregabilidade e a reintrodução das pessoas desempregadas há mais de 2 anos.

Entretanto, vale lembrar que, até o momento, o que se vê com a discussão sobre a PEC e um eventual novo teto de gastos é o acirramento do risco fiscal na ótica do mercado, e não efetivamente uma piora pronunciada nas contas públicas, pelo menos não ainda.

Com a recuperação do nível de atividade em 2021, o setor público vem obtendo recordes na arrecadação federal, o que responderá pela redução do déficit primário este ano e estabilidade em 2022 e 2023, com perspectivas melhores para a dinâmica da dívida pública/PIB, por ora. Em 2022, o déficit primário deve ser zerado, também levando em consideração a inflação mais elevada.

Em razão do ano eleitoral de 2022, temos visto a incerteza política ser antecipada nas variáveis que capturam risco. Esse cenário, gera maior volatilidade nos mercados, com alta dos juros futuros e deterioração das expectativas inflacionarias. A inflação corrente alta realmente reduz a capacidade de consumo das famílias, o que provocou as quedas no volume de vendas do varejo entre agosto e setembro, e nas receitas de serviços. O ano que vem é também um período em que decisões de investimentos e contratações naturalmente são postergadas, com o ingrediente adicional da elevação dos juros e apertos monetários.

Com isso, além da diminuição nas vendas do setor terciário em geral, o indicador de atividade do Bacen (Banco Central), adicionalmente já aponta redução na atividade da economia em setembro. Mais um dado reverberando a perda de fôlego dos setores produtivos, e a necessidade de garantir o consumo e a demanda das famílias em 2022.

Novamente, se o grande objetivo do reposicionamento do teto dos gastos é ampliar a renda das famílias mais pobres, ele deve ser louvável. Nota-se que o recálculo do teto confere alguma previsibilidade aos gastos, sendo de fundamental importância que as despesas sejam mantidas até o limite do novo teto. Antecipar o valor do teto é válido, pois as despesas continuaram a respeitar seu limite, mas dando racionalidade àquelas que aconteceram de forma imprevisível, como os precatórios.

Após um ano de pandemia em que tivemos ampla expansão fiscal, é natural que estejamos atravessando uma fase turbulenta e questionando os limites de nossas âncoras e regras fiscais. Isso não quer necessariamente dizer abandono do compromisso com a disciplina fiscal. Porém, reflete o momento econômico, político e social que atravessamos, após uma crise sanitária sem precedentes, com consequências inesperadas para a economia do Brasil e do mundo. Assim, o teto dos gastos de fato simboliza o engajamento com o fiscal, mas não é uma vaca sagrada.

 

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 73 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992)

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