Opinião – A quadrilha está de volta

Ouso dizer que toda essa lembrança das diversas e sofisticadas quadrilhas políticas não veio de minhas recordações. Joguemos, pois, a responsabilidade disso nas potencialidades semânticas do termo “quadrilha”, escreve  Roberto Boaventura da Silva Sá

13/06/2022 08:00

”Não estou a acionar a memória afetiva ou “desafetiva” de quem quer que seja”

Dilma, Lula e Alkmin em pré-campanha eleitoral. Foto: Revista Veja por Ricardo Stuckert/PT

Demorou, mas após tanto tempo, eis que a quadrilha está de volta em nosso país.

Não! Embora estejamos vivendo em ano eleitoral, não estou escrevendo sob influência de quaisquer resultados de pesquisas recentes de intenção de voto à presidência da República; logo, meu caro leitor, não estou a acionar a memória afetiva ou “desafetiva” de quem quer que seja.

Nem de longe pensei em nenhum dos inúmeros esquemas nada republicanos de nosso passado e de nosso presente políticos. Não pensei no Propinoduto.

Não me lembrei do Mensalão. Tampouco, do Petrolão. Imagine se eu pensaria em Lava-jato! Sequer cogitei falar das Rachadinhas, que, aliás, pairam sobre tais suspeitas de terem sustentado e alavancado um “novo” clã político. “Novo”, mas bem à antiga moda brasileira de ser e estar na esfera de nossa política; por conseguinte, imagine se eu pensaria na atuação incessante de milicianos e de seus fiéis seguidores.

Definitivamente, não pensei nas milícias, cada vez mais atrevidas e perigosas, como se experimentassem um à vontade “nunca antes vivido na história deste país”.

Não pensei nem nas milícias convencionais, visíveis a olhos nus, que, alhures, tomam o lugar do Estado ausente, subjugando e exterminando pessoas, nem nas que atuam de forma virtual, faturando milhões nas tão frequentadas redes sociais. Cada qual a seu modo, totalmente fora da lei.

Ah! Quando, há pouco, falei em “fiéis seguidores”, não supôs estabelecer nenhum tipo de relação com a crença religiosa de nenhum filho de Deus. Deus me livre! Nos dias de hoje, falar disso é como que invocar o inominável.

Nem mesmo naqueles descaradamente falsos profetas pensei; e olhe que desse tipo há uma abundância que impressiona até quem já poderia ter passado da idade de se impressionar com qualquer tipo de aberração. A desfaçatez desse tipo de falso religioso é tão sem-medida que, literalmente, é de tirar o chapéu para alguns deles… ou de suas próprias cabeças, se é que me entende, meu caro leitor.

Se duvidares, ligue a TV, principalmente a aberta, de qualquer região deste “país tropical, abençoado por Deus”. Você terá a sua frente um leque gigantesco de todo tipo de descaramento, vendido como expressão de religiosidade. Por isso, em todos esses tipos de canais, que não são poucos, alguém estará, aos brados, tentando te vender um pedacinho no céu. Oh, céus!

Ainda assim, mantenha-se calmo, leitor. Mesmo acerca do que mais alto estiver bradando, como diz Gilberto Gil, creia, “ele não rasga dinheiro, não”. Pode até voltar a chutar alguma santa desatenta, mas, definitivamente, “não rasga dinheiro, não”.

Isso posto, ouso dizer que toda essa lembrança das diversas e sofisticadas quadrilhas políticas não veio de minhas recordações. Joguemos, pois, a responsabilidade disso nas potencialidades semânticas do termo “quadrilha”; por consequência, na dubiedade linguística da palavra em pauta. Foi essa dubiedade que pode ter acionado algum tipo de lembrança nada nobre a alguém.

De minha parte, após dois anos sem festejos juninos, a começar pelo título deste artigo, desde o início só pensei em falar da saudade que todos estávamos das quadrilhas de junho e, por conseguinte, das inúmeras músicas que embalam tais momentos.

Dentre tantas, para encerrar este artigo de forma lírica, escolhi aquela singela canção em que o eu-poético de Luiz Gonzaga pede para seu amor olhar pro céu, “…Vê como ele está lindo/ Olha pra aquele balão multicor/ Como no céu vai sumindo…/ Foi numa noite igual a esta/ Que tu me deste o coração/ O céu estava assim em festa/

Porque era noite de São João…”

Vivas às nossas quadrilhas… juninas, é claro. Oh xente!

 

 

 

 

 

Por Roberto Boaventura da Silva Sá é Dr. em Jornalismo/USP.