Opinião – Eu tive um sonho comunista…

Com meu juízo restabelecido pelas duras lembranças do tempo fascista em que vivemos, aceitei que era melhor apagar o relato do meu sonho no grupo fechado, para preservar a mim e meus companheiros. Escreve Rodrigo Constantino

25/08/2022 06:30

”Ninguém quer, afinal, a visita da polícia às seis da manhã para confiscar nosso telefone pelo crime de uma simples ideia”

Eu tive um sonho. Nele, os trabalhadores explorados pelo capitalismo cruel e malvadão fariam uma revolução comunista igualitária e finalmente seriam capazes de instaurar no país a sonhada ditadura do proletariado. Abaixo a democracia burguesa, eles gritavam. Lugar de patrão é na prisão, berravam. Com suas camisas e bonés vermelhos, os soldados do exército de Stédile marchavam rumo às instituições símbolos da nossa carcomida república e colocavam tudo abaixo com suas foices e martelos.

Esses heróis da resistência ao fascismo derrotavam as forças do mal e abriam caminho para o governo de uma espécie de Fidel Castro brasileiro, que por meio século iria trazer incrível progresso social, especialmente na área da educação e da saúde. Fidel, afinal, era o maior líder político do continente, o mais admirado de todos, segundo Lula. A luta dos companheiros na década de 60 não teria sido em vão. Com um atraso de décadas, o Brasil finalmente seria um Cubão!

Quando acordei, fiquei com vontade de contar meu sonho comunista aos meus companheiros. Mandei para um grupo fechado de WhatsApp, chamado VivaMarx, um breve resumo. Foi quando um deles jogou aquela ducha de água fria em mim: “Você está doido, cara! Apaga já isso! Se os fascistas do sistema pegam uma coisa dessas você vai em cana!”

Tentei argumentar: mas foi apenas um sonho! E estou compartilhando isso somente com poucos amigos numa conversa informal particular, num grupo fechado de Zap. Não é possível que isso traga problemas para mim. Não investi de fato na revolução. Não financiei movimentos clandestinos armados para efetivamente atacar aquelas instituições burguesas. Não controlo forças armadas de qualquer natureza. Sou apenas um idoso aposentado do setor público dividindo com amigos um sonho comum, fazendo um desabafo de que ninguém aguenta mais essa ditadura de direita!

Meu colega foi implacável: “Sim, eu sei disso tudo, mas nada disso importa. Não existe mais liberdade de expressão, desde que o fascista Bolsonaro aparelhou o STF e seus ministros criaram o crime de opinião no país. Hoje em dia não é preciso atuar pela revolução para ser considerado um criminoso; basta defender o comunismo! Ou pior: basta pensar em defender o comunismo! Se algum agente do novo DOPs escutar numa conversa de bar um xingamento que seja ao presidente, o autor vai para o xilindró. Se ele cochichar que prefere Fidel a Bolsonaro, então, pega prisão perpétua!

Com meu juízo restabelecido pelas duras lembranças do tempo fascista em que vivemos, aceitei que era melhor apagar o relato do meu sonho no grupo fechado, para preservar a mim e meus companheiros. Ninguém quer, afinal, a visita da polícia às seis da manhã para confiscar nosso telefone pelo crime de uma simples ideia. Não é mesmo?

 

 

 

 

Por Rodrigo Constantino, economista pela PUC com MBA de Finanças pelo IBMEC, trabalhou por vários anos no mercado financeiro. É autor de vários livros, entre eles o best-seller “Esquerda Caviar” e a coletânea “Contra a maré vermelha”. Contribuiu para veículos como Veja.com, jornal O Globo e Gazeta do Povo. Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal.