Opinião – Energia: o que os municípios brasileiros têm a aprender com a ilha dinamarquesa Samso?

O sucesso em uma transição energética pode resultar em um aumento de até 10,5% no total de postos de trabalho. Escreve Sergio Andrade.

10/07/2023 13:46

“Garantir o acesso à energia pode sanar desigualdades e estimular o crescimento econômico local principalmente nas áreas rurais”

Parque eólico no Nordeste| Foto: Reprodução

A pequena ilha de Samso, um município de 3.700 habitantes situado na Dinamarca, tem ganhado fama ao se tornar 100% autossuficiente na geração de energia limpa. Atualmente, a ilha produz 40% mais energia renovável do que consome e exporta cerca de 80 mil megawatts-hora de eletricidade por ano para outras regiões do país. É um verdadeiro modelo de planejamento de transição energética ao migrar para fontes de energia sustentáveis e alinhadas à preservação ambiental. Para alcançar a autosuficiência energética, Samso foi contemplada por um financiamento que tinha como meta atingir 100% de energia limpa em dez anos.

É evidente que a realidade particular desta ilha dinamarquesa impede com que ela seja comparada com a realidade brasileira. Contudo, o caso de Samso traz uma importante lição a ser aprendida pelos 5.568 municípios existentes no Brasil: é necessário investir para se garantir uma transição energética. E esta transição deve ser justa: sem mirar o aspecto ambiental em detrimento do social.

Conhecer o caso da ilha dinamarquesa pode fazer com que muitos sintam que se trata de uma realidade distante do Brasil. Contudo, há hoje um enorme potencial de produção de energia renovável na América Latina e no Caribe. De acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), as duas regiões já possuem atualmente 33% de sua energia de recursos energéticos renováveis frente a um percentual de 13% a nível global. No Brasil, um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) aponta que a matriz energética brasileira era formada por 45% de fontes renováveis no ano de 2019.

O investimento necessário para o Brasil contar um dia com uma matriz aos moldes da ilha dinamarquesa passa pelo investimento em tecnologias renováveis e pela descarbonização de setores econômicos importantes, a exemplo da indústria de produtos químicos, siderurgia, frete rodoviário, aviação e transporte marítimo. Além disso, garantir o acesso à energia pode sanar desigualdades e estimular o crescimento econômico local principalmente nas áreas rurais.

Ao pensarmos nesse investimento, também é importante termos em mente que uma transição energética afeta a economia local e que não há como não haver impacto na vida de cada um dos cidadãos que dependem de atividades econômicas que deixarão de existir. O desafio é maior em municípios com forte presença de estruturas produtivas baseadas em energia não renovável, assim como de indústrias com utilização intensiva de carbono a exemplo da produção de papel.

O cerne da questão é que uma transição energética efetiva no Brasil dê atenção ao seu aspecto social e garanta que nenhuma região ou grupo sejam deixados para trás. É necessário que o poder público crie programas de transição energética acompanhados de políticas de inclusão social, capacitação profissional e geração de empregos verdes para as comunidades locais afetadas pela matriz energética que irá deixar de existir. É importante ainda que as prefeituras se tornem agentes de mudança ao incentivarem a instalação de sistemas de energia renovável em edifícios públicos e privados, promoverem a eficiência energética, apoiarem projetos de transporte sustentável e incentivarem a adoção de práticas de economia sustentável. Tais ações devem contar com parcerias junto ao setor privado e com apoio de organizações não governamentais e universidades.

O tamanho do desafio conta com uma compensação. A estimativa atual é de que, até o ano de 2030, o sucesso em uma transição energética pode resultar em um aumento de até 10,5% no total de postos de trabalho disponíveis na América Latina e no Caribe. O que falta para que comecemos a mudança?

 

 

 

 

Por Sergio Andrade é cientista político e diretor da Agenda Pública, ONG responsável por plataforma Transição Justa.

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