Opinião – Os poderes requisitórios da CPMI do 8 de janeiro

A eventual recusa de um particular ou autoridade pública em atender uma requisição de uma CPI deve estar devidamente fundamentada. Escreve Thaméa Danelon.

 

09/08/2023 10:38

“é necessário que seja devidamente apontado qual o eventual prejuízo que seria causado, bem como em qual momento futuro as provas solicitadas poderiam ser compartilhadas”

Ministério comandado por Flávio Dino disse que imagens já estão em poder de outro inquérito sobre os atos de 8 de janeiro. Foto: André Borges/EFE

No dia 25 de maio de 2023, foi instaurada uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) com intuito de apurar os fatos ocorridos no dia 8 de janeiro, quando centenas de pessoas invadiram as dependências dos seguintes poderes da República: Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional. Alguns desses indivíduos praticaram diversos danos ao patrimônio público federal, com a destruição de quadros valiosos, como “As Mulatas” de Di Cavalcanti (avaliado em 8 milhões de reais), outras obras de arte e um relógio do século XVII criado por Balthazar Martinot, relojoeiro do rei Luis XIV, que foi dado de presente a Dom João VI pela corte francesa.

Diante desses fatos, o Congresso Nacional instalou uma CPMI, formada tanto por Deputados Federais como Senadores, para investigar quais os responsáveis pelas invasões e prejuízos ao patrimônio da União. Em 19 de abril, foram divulgadas pela imprensa as primeiras imagens do dia da invasão, nas quais se verifica a presença de diversos agentes, bem como de militares responsáveis pela segurança da sede dos poderes mencionados. Diante desse fato, a CPMI requisitou ao Ministério da Justiça o encaminhamento de todas as imagens gravadas pelas câmeras de segurança, a fim de obter a devida identificação dos invasores.

Entretanto, o Ministro da Justiça negou acesso dessas imagens aos Senadores e Deputados, sob argumento da necessidade de preservação das investigações criminais realizadas pela polícia. A Presidente do STF, Ministra Rosa Weber, também indeferiu o compartilhamento de arquivos do inquérito policial com a Comissão Parlamentar de Inquérito. Diante dessas negativas, questiona-se: uma CPI ou CPMI apresenta poderes para requisitar provas de uma infração às autoridades públicas? Sejam essas evidências documentos ou gravações oficiais? Assim, o presente artigo irá abordar quais os poderes de uma CPI, principalmente os requisitórios.

Nos termos da Constituição Federal (artigo 58, § 3º), e nos regimentos internos das respectivas Casas Legislativas, a Comissão Parlamentar de Inquérito apresenta uma série de prerrogativas e poderes constitucionais. Dentre eles, encontra-se o poder de realizar oitivas, bem como de requisitar todas as provas necessárias e aptas para elucidar ou provar a infração que está sendo apurada. Assim, nosso ordenamento jurídico (leis e jurisprudência dos Tribunais, dentre outros) autoriza que a CPI requisite documentos, laudos e imagens de câmeras de segurança ou monitoramento quando for necessário.

Quando uma CPI é instalada seus membros são dotados, ainda que provisoriamente (somente quando a CPI estiver em andamento), de verdadeiro poder de investigação, seja do Ministério Público, como da Polícia. Além de prerrogativas investigatórias, os parlamentares da CPI também poderão exercer alguns atos exclusivos dos Juízes, vez que estão autorizado a determinar o afastamento (a quebra) do sigilo bancário, fiscal, telemático e telefônico dos investigados, lembrando-se que esses sigilos constitucionais somente podem ser quebrados por um Magistrado, entretanto, no curso de uma CPI esses poderes também são conferidos aos deputados e senadores investigadores. O Supremo Tribunal Federal tem decidido nesse sentido, autorizando que a CPI determine essas quebras de sigilo.

Desta forma, quando a CPI requisita a particulares ou agentes públicos o encaminhamento de qualquer documento ou gravação de imagens, essa requisição está autorizada pela Constituição, principalmente quando tais evidências não estão protegidas por qualquer sigilo constitucional, sendo exemplos de documentos sigilosos as declarações de imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas; extratos bancários; mensagens de e-mails ou aplicativos de conversas telefônicas; registros de ligações telefônicas. A eventual recusa de um particular ou autoridade pública em atender uma requisição de uma CPI deve estar devidamente fundamentada, sendo demonstrado que o fornecimento da evidência requerida poderia causar um dano maior a alguém, à segurança nacional ou a uma investigação, por exemplo. Entretanto, é necessário que seja devidamente apontado qual o eventual prejuízo que seria causado, bem como em qual momento futuro as provas solicitadas poderiam ser compartilhadas. Como exemplo de CPIs relevantes que ocorreram, podemos mencionar as seguintes: (1) a CPI do Judiciário (1999), na qual foram descobertos os crimes cometidos pelo ex-juiz Nicolau dos Santos Neto e pelo ex-Senador Luiz Estevão, que desviaram milhões de reais da obra do TRT – Tribunal Regional do Trabalho; (2) a CPI dos Correios (2005), que descortinou o escândalo do Mensalão, e culminou em condenações criminais históricas de diversos políticos poderosos; (3) a CPI da Petrobras (2014), instaurada após as revelações obtidas pela Operação Lava Jato; e (4) a CPI da COVID 19.

 

 

 

 

Por Thaméa Danelon, Procuradora da República (MPF) desde dezembro de 1999, ex-coordenadora do Núcleo de Combate à Corrupção em São Paulo/SP; ex-integrante da Lava Jato/SP; mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMPSP); professora de Direito Processual Penal e palestrante.

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