Opinião – Falando de infraestrutura

Municípios, estados, Distrito Federal e União retiram, 34% em forma de tributos efetivamente arrecadados, e os investimentos de todo o setor público não passam de 2,5% do PIB. Escreve José Pio Martins.

10/08/2023 06:21

“O Brasil precisaria investir 25% do PIB para conseguir dobrar a renda por habitante em duas ou três décadas”

A precária infraestrutura física é um dos muitos gargalos que derrubam a produtividade do Brasil. Foto: divulgação

A economia é um sistema pelo qual a humanidade enfrenta o desafio de atender suas necessidades múltiplas e ilimitadas com os recursos limitados e escassos. Para tanto, a economia opera com quatro fatores de produção: os recursos naturais, o trabalho, o capital físico e a iniciativa empresarial. A máquina de produzir, seja num regime capitalista ou comunista, mobiliza esses quatro fatores que funcionam com um quinto elemento: o conhecimento tecnológico.

Aqui, vou me fixar na questão do capital físico, que de certa forma é sinônimo de infraestrutura. Para fins meramente didáticos, podemos dividir a infraestrutura geral em três: infraestrutura física (transporte, energia, armazenagem, telecomunicações, portos, aeroportos), a infraestrutura empresarial (edifícios, máquinas, equipamentos, aparelhos, móveis, utensílios) e a infraestrutura social (hospitais, escolas, instituições assistenciais, igrejas, prisões).

Claro que praticamente toda unidade produtiva pode ser classificada como “empresa”. Em economia, empresa é qualquer unidade que reúna os fatores de produção (recursos naturais, trabalho, capital e iniciativa empresarial) para produzir algum bem material ou serviço, tenha CNPJ ou não. Mas a classificação do capital físico em três infraestruturas é apenas um agrupamento didático e operacional.

Comecemos com um lembrete: é um erro primário confundir recursos com riqueza. Os recursos naturais constituem importante fator de produção, e o Brasil é rico nesse fator. Porém, ninguém consome os recursos da natureza do jeito que lá estão. Os recursos têm de ser transformados em bens e serviços consumíveis. Riqueza é o recurso transformado em produto em condições de ser consumido ou investido.

Então, o Brasil é rico de recursos, mas não é rico de riqueza. Um dos gargalos complexos é o nosso capital físico. As três infraestruturas mencionadas podem ser analisadas sob três aspectos: seu tamanho, sua idade e estado de conservação, e seu estágio tecnológico. Um exemplo: temos casos de portos brasileiros que têm um tamanho insuficiente para escoar a produção, os equipamentos estão envelhecidos e em mau estado de conservação, além de serem tecnologicamente ultrapassados.

Considerado o crescimento histórico da população, o Brasil precisaria investir 25% do Produto Interno Bruto (PIB) para conseguir dobrar a renda por habitante em duas ou três décadas. O PIB é um bolo (o produto total de bens finais produzidos num ano) que tem dois sabores: os bens de capital físico (aqueles que se destinam a aumentar as três infraestruturas) e os bens e serviços de consumo.

Os bens de capital físico se destinam a repor o desgaste da infraestrutura geral, que ocorre durante o uso da infraestrutura no ano, e expandir o tamanho e a modernidade tecnológica do estoque total de capital físico existente. O PIB dos anos seguintes é maior ou menor conforme o tamanho e a modernização das três infraestruturas.

No Brasil, a infraestrutura física geral durante muito tempo foi predominantemente estatal – e de certa forma ainda é –; a infraestrutura empresarial é basicamente privada; e a infraestrutura social é um misto de estatal e privada. A infraestrutura social em forma de escolas, postos de saúde e prisões forma substancial parcela da infraestrutura social total.

Volta e meia surgem críticas ao empresariado sob o argumento de que eles somente se interessam por investimentos lucrativos, deixando ao governo as obras que não dão retorno ou cujo retorno é muito demorado. Essas críticas constituem erro de avaliação, já que uma das funções do governo é fazer os investimentos necessários ao funcionamento do setor privado, particularmente aqueles que não visam ao lucro, mesmo porque o governo faz investimentos com o dinheiro dos impostos retirados da sociedade privada – empresas e pessoas.

Vale lembrar que, historicamente, o setor estatal fez investimentos em obras não atrativas ao investidor privado, como as estradas de ferro pioneiras. A sociedade pagava seus impostos e o governo, à moda de um síndico, investia em obras de baixo retorno financeiro, porém fundamentais para a expansão da infraestrutura necessária ao crescimento do PIB e aumento da renda por habitante.

O Brasil tem uma defasagem de infraestrutura, que é a diferença entre o que existe e o que seria necessário para atender o projeto de desenvolvimento, pois a taxa de investimento, longe dos 25% ideais, há muitos anos fica entre 16% e 19% do PIB. Uma das causas do baixo nível de investimento é que municípios, estados, Distrito Federal e União retiram, juntos, 34% da renda nacional em forma de tributos efetivamente arrecadados, e os investimentos de todo o setor público não passam de 2,5% do PIB.

Nesse cenário, três medidas devem ser prioritárias: privatização de empresas estatais, aceleração das parcerias público-privadas e abertura ao investimento estrangeiro no Brasil. As privatizações e as parcerias público-privadas têm vantagem de aliviar os cofres do governo, melhorar a eficiência da economia e liberar recursos públicos valiosos para as áreas sociais, como educação, saúde, segurança etc. O assunto é longo, mas esses pontos são importantes para a discussão sobre um plano de governo e de nação.

 

 

 

 

Por José Pio Martins é economista e professor de Macroeconomia, Microeconomia, Finanças Empresariais e Filosofia, em cursos de graduação e pós-graduação. Foi secretário do Planejamento de Londrina, diretor-geral da Secretaria da Fazenda do Paraná, vice-presidente do Banco do Estado do Paraná e reitor da Universidade Positivo.

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