Opinião – Capitalismo, socialismo e comunismo: a destinção

Os vocábulos “comunismo”, “socialismo” e “capitalismo” têm presença constante nos debates sem que se saiba claramente a diferença entre eles. Escreve José Pio Martins.

06/12/2023 06:48

“Os donos do Estado e seus burocratas jamais concordarão em pôr fim ao Estado, esse gigante que vive do que a população produz”

Monumento a Karl Marx na cidade alemã de Chemnitz. Foto: Bigstock

“O debate honesto pressupõe o conhecimento dos termos do problema”, dizia Roberto Campos, o velho. No pós-pandemia, recrudesceu o debate sobre as ideologias e seus tentáculos políticos e econômicos. Cresceu também a discussão sobre duas doutrinas opostas: comunismo e capitalismo.

Cabe estabelecer algumas definições. Ideologia é o conjunto de ideias sobre o homem, a sociedade e as instituições sociais que norteiam o desenrolar do espetáculo da vida nesta terra. Doutrina é um conjunto de princípios. Princípio é norma que fundamenta uma ação e serve como ponto de partida e base para determinado ato ou processo.

Os vocábulos “comunismo”, “socialismo” e “capitalismo” têm presença constante nos debates sem que se saiba claramente a diferença entre eles. No caso de comunismo e socialismo, eles são frequentemente e incorretamente usados como sinônimos.

Há certa confusão, talvez por causa da complexidade do assunto. Mas isso não é motivo para cair na confusão. Pelo contrário: onde cresce a complexidade, crescem também as exigências de clareza e distinção. Com efeito, foi Karl Marx (1818-1883) quem delineou a distinção que se incorporou ao glossário das ciências sociais.

Comecemos com “capitalismo”. Simplificadamente, é um sistema econômico estruturado com base na propriedade privada dos meios de produção, organização empresarial do processo produtivo, trabalho assalariado e mercado de trocas livre e competitivo.

Marx acreditava que o capitalismo caminharia para o fim e desabaria sob suas próprias contradições internas. Contradição é ser contrariado por si mesmo. Os capitalistas deveriam desaparecer como classe, ou seja, como aqueles que possuem os meios de produção.

Um esclarecimento. O fim da propriedade privada a que se refere Marx diz respeito aos meios de produção, não aos bens individuais de uso pessoal, pois ninguém compra um bem pessoal para nele empregar um operário a fim de produzir algo destinado a comércio.

Os trabalhadores (que em seu conjunto foram chamados de “proletariado”) também passariam por mudanças e deixariam de ser apenas vendedores da única mercadoria que eles têm: sua força de trabalho. A supressão do capitalismo, nesses termos, não bastaria para o surgimento do comunismo, pois no meio do caminho deste há uma terceira classe: o Estado. E, se há classes, não é comunismo; se há Estado, não é comunismo.

Marx explicou que, no percurso para eliminar o capitalismo, haveria uma fase de transição em que a propriedade dos meios de produção passaria para as mãos do Estado. Essa fase de transição passou a ser chamada de “socialismo”, pois o Estado, repetindo, é uma classe.

Uma nação sem a classe dos capitalistas e sem a classe dos proletários como meros vendedores de sua força de trabalho, mas ainda com o Estado, é uma nação socialista. Socialismo é isso.

Para chegar ao comunismo, o Estado como classe deveria ser extinto. O projeto intelectual de Marx era uma obsessão com o comunismo, pois ele não era amante do Estado e acreditava que ele seria uma classe com poder e vocação para subjugar e oprimir toda a sociedade.

No comunismo de Marx, os meios de produção (recursos naturais, terra, máquinas, prédios e equipamentos) deveriam ser agrupados em unidades produtivas sob gestão coletiva dos trabalhadores.

O problema na ideia de Marx é que ele não contava com um obstáculo: o ser humano. Marx inventou um projeto que pressupõe seres humanos idealistas, honestos, bondosos e altruístas. Ora, um governante eleito, um líder político, um ditador de esquerda ou direita, ou qualquer homem no poder, o que eles mais querem é o poder e, uma vez lá, não querem mais sair.

Os políticos e os caudilhos em geral jamais querem uma sociedade sem Estado. No socialismo, com a extinção dos capitalistas como classe e a expansão do Estado pela estatização da propriedade dos meios de produção, a extinção do Estado para implantar o comunismo, como queria Marx, torna-se impossível.

Os donos do Estado e seus burocratas jamais concordarão em pôr fim ao Estado, esse gigante que vive do que a população produz. O mesmo vale para os marxistas: o que eles querem é o socialismo, com um Estado gigante, que controle tudo e em que eles sejam os dirigentes.

Recorrendo a Roberto Campos de novo, “os que pregam a distribuição do bolo, o que eles querem mesmo é o controle da faca”. Os direitistas não são diferentes, pois, em se tratando da luta pelo poder, os seres humanos são parecidos. Vendo o que os marxistas fizeram em seu nome, Marx afirmou: “Eu não sou marxista”.

Marx foi um pensador genial, goste-se dele ou não. Sua produção intelectual é descomunal, com dezenas de milhares de páginas de teorias, análises, ideias e argumentos que o fazem um pensador brilhante e exímio escritor nas áreas da filosofia, economia, sociologia, história e direito.

Ele foi o introdutor da análise teórica baseada na luta de classes, e via a economia operando com duas grandes classes: os capitalistas (os proprietários dos meios de produção) e os proletários (aqueles que vendem sua força de trabalho). “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes” é a primeira frase do Manifesto Comunista, publicado por Marx e Engels em 1848 para servir de programa à Liga dos Comunistas, uma associação de trabalhadores.

A obra de Marx se divide, simplificadamente, em três grupos: o materialismo histórico-dialético (na filosofia), a crítica à economia política (na economia) e o socialismo científico (na política). Sua obra magna é O Capital – Crítica à Economia Política, na qual ele realiza complexa análise do “modo de produção capitalista”, como ele chamava a economia.

Marx não era amigo do capitalismo, mas foi seu grande estudioso e gerou sua obra após estudar os pensadores liberais e os economistas defensores do livre mercado, especialmente Adam Smith e David Ricardo.

A compreensão da teoria marxista requer estudo paciente, pois Marx não fazia concessão à leitura fácil. Apesar disso, o estudo de suas obras vale o esforço, sobretudo para um economista liberal, como eu, até para ver onde o marxismo não funciona. Voltarei a esse tema.

 

 

 

 

Por José Pio Martins é economista e professor de Macroeconomia, Microeconomia, Finanças Empresariais e Filosofia, em cursos de graduação e pós-graduação. Foi secretário do Planejamento de Londrina, diretor-geral da Secretaria da Fazenda do Paraná, vice-presidente do Banco do Estado do Paraná e reitor da Universidade Positivo.

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