Opinião – O ódio mais antigo do mundo

Há a exploração do conflito Hamas-Israel por um grande número de antissemitas ocultos, os quais tentam ganhar força ou legitimidade para as suas fraudes. Escreve Jonas Rabinovitch.

20/02/2024 09:53

“Espero que prevaleça o bom senso dos nossos políticos e o Brasil como nação continue exemplo de convivência pacífica entre todos os povos”

Em entrevista durante viagem à África, Lula comparou ação de Israel à Holocausto. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Todo mundo sabe que hutus odeiam tutsis em Ruanda; croatas odeiam sérvios nos Balcãs; gregos e turcos não se dão bem há séculos e até hoje disputam quem teria inventado o iogurte. Iranianos rivalizam com sauditas, assim como paquistaneses e indianos nunca se deram muito bem desde a fundação do Paquistão em 1947. Esses ódios generalizados se explicam por disputas territoriais, guerras ou diferenças culturais e religiosas. Alguns ódios são mais recentes, como entre russos e ucranianos. Mas há um ódio universal que existe no mundo inteiro há milênios e quase ninguém sabe explicar por que.

Quando Pompeu conquistou Jerusalém em 63 A.C., os antigos romanos – que eram pagãos e tinham vários Deuses – já se perguntavam: “Que povo estranho é esse que venera só um Deus e se recusa a aceitar o poder de Roma?”. Os judeus eram diferentes. E há algo profundo na natureza humana que vê com grande desconfiança qualquer diferença. Segundo o Evangelho de São Mateus, Pilatos teria lavado as mãos diante da multidão, dizendo: “Sou inocente do sangue deste homem”. E o povo respondeu: “O sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos!”. Essa frase estratégica abriu as portas do inferno. Quem prega uma nova religião quer que ela seja aceita, claro. Por causa disso, segundo algumas interpretações, foi mais fácil culpar os judeus – expulsos depois da destruição de Jerusalém em 70 D.C. pelos romanos – do que culpar os Romanos que ainda eram muito fortes na época para serem desafiados. Mas devemos lembrar que Jesus era judeu, nasceu na Judéia e foi crucificado pelos romanos exatamente por desafiar o poder da época. Os primeiros cristãos eram judeus e rezavam em hebraico. Cerca de 250 anos se passaram até o Imperador Constantino converter Roma ao Cristianismo. Os historiadores ainda debatem se essa conversão teria sido por convicção espiritual ou por conveniência política.

Os judeus continuaram a carregar essa cruz através dos séculos. Apenas alguns exemplos: massacres de judeus na Alemanha durante a Cruzada em 1096; expulsão da Inglaterra em 1290; perseguição a judeus acusados injustamente de causar a Peste Negra no século XIV; massacre dos judeus espanhóis em 1391; inquisição espanhola e expulsão dos judeus da Espanha em 1492; massacres feitos pelos cossacos na Ucrânia entre 1648 e 1657; vários pogroms (perseguições) no Império Russo; o Holocausto pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial; e várias políticas antijudaicas soviéticas. Historicamente, a maioria dos eventos antissemitas ocorreu na Europa cristã. Apenas em 1965, a bula papal Nostra Aetate (“Em Nossos Tempos”), escrita durante o Concílio Vaticano II, inocentou os judeus pela morte de Jesus. Por outro lado, desde o início do século XX tem havido um aumento acentuado de incidentes antissemitas em todo o mundo árabe, resultando na fuga ou expulsão de 900 mil judeus de países muçulmanos no Oriente Médio e África, principalmente após a independência de Israel em 1948.

Governar nunca foi fácil. A fórmula mais antiga da história para lidar com problemas difíceis foi sempre encontrar alguém em quem colocar a culpa. Ao longo da história, o bode expiatório tem sido um inimigo externo e os judeus são os bodes expiatórios favoritos da humanidade. Há judeus de todos os tipos: africanos, asiáticos, ricos, pobres, brancos, negros etc. O curioso é que com todo o progresso social feito pela humanidade no combate ao racismo e a qualquer tipo de discriminação, os judeus continuam sendo vítimas de racismo e discriminação mais do que qualquer outra minoria. Isso acontece porque muita gente ainda percebe todos os judeus como sendo “ricos capitalistas brancos”, o que não é verdade.

Em seu livro Judeus Não Contam, o comediante inglês David Baddiel argumenta que o antissemitismo é tratado como um racismo de segunda classe, criando padrões duplos e discriminação contra judeus. Por exemplo, ele cita uma pesquisa do instituto New World Wealth mostrando que há 13 milhões de milionários no mundo. Destes, 56.2% são cristãos, 6.5% são muçulmanos, 3.9% são hindus e apenas 1.7% são judeus.

A retórica da esquerda diz defender os oprimidos, incluindo negros, povos indígenas, LGBT+, mas os judeus, vistos de forma estereotipada como sendo sempre “privilegiados”, sofrem discriminação e racismo por políticos e governos de esquerda. Isso acontece agora até no Brasil – mesmo com nossa Constituição garantindo que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”.  Meus avós, que fugiram dos pogroms na Europa Oriental e chegaram pobres ao Brasil, estão agora provavelmente se revirando em seus túmulos.

Ao mesmo tempo, os neonazistas de extrema direita não consideram judeus como sendo brancos, mas “asiáticos”. O nazismo de Hitler também excluía todos os judeus do “direito” de serem brancos. É fato que mais de 60% da população de Israel, por exemplo, não é branca. E há cerca de 2 milhões de árabes israelenses, mais de 20% da população, com plenos direitos civis. Ou seja, os judeus de Israel, tendo sido perseguidos ao longo da história, construíram em poucas décadas um país verdadeiramente democrático, desenvolvido e sem discriminação.   Mas hoje, mesmo tendo sido vítima de um ataque brutal do Hamas, Israel é acusado de “genocida e assassino de inocentes”.

Inaugurou-se o novo antissemitismo moderno, no qual misturam-se o antissemitismo religioso, racial e político com a visão geopolítica da esquerda. Há a exploração do conflito Hamas-Israel por um grande número de antissemitas ocultos, os quais tentam ganhar força ou legitimidade para as suas fraudes apresentando-se como críticos das ações do governo israelense. O atual governo brasileiro parece se posicionar na esfera de influência da China, Rússia e Irã, também vendo Israel e os EUA como representantes de um “capitalismo internacional” a ser combatido.

Tenho alguns conhecidos judeus que se dizem de esquerda. Acho que fazem isso por acharem que estão apoiando fracos e oprimidos. Eles agora parecem confusos, sem perceber que serão os primeiros oprimidos se essa moda pega. Alguns desses chegaram a chamar Bolsonaro de “genocida” ou de “nazista” – sem que o governo brasileiro tenha tomado qualquer medida nessa direção. Pelo contrário, Bolsonaro na época se colocou ao lado de Israel. Hoje acontece o oposto.

Há muitos anos, tive a honra de ser convidado pela prefeitura de Nuremberg para representar a ONU no lançamento do Programa Human Rights Cities (Cidades para Direitos Humanos) naquela cidade. Nuremberg era a cidade favorita de Hitler, escolhida por ele para sediar os enormes comícios do partido nazista e para lançar suas leis racistas. Debati profundamente a progressão das leis raciais de Nuremberg com os melhores especialistas no assunto. Posso dizer que o Brasil hoje se assemelha mais à Alemanha pré-nazista do que em qualquer outra época de sua história. Até os discursos integralistas – o nazismo brasileiro – de Plínio Salgado e Miguel Reale eram mais seletivos e cuidadosos ao atacar judeus na década de 1930. Hoje em dia ouvimos com espanto a sugestão de boicote ao comércio com judeus feita pelo petista José Genoino. As declarações polêmicas da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foram consideradas ofensa antissemita pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB). A chilena Ana Maria Leiva atacou uma lojista na Bahia simplesmente por ser judia. A CONIB divulgou um aumento de dez vezes no número de mensagens em redes sociais e eventos públicos ofensivos ao povo judeu em comparação com o ano passado – naturalmente após o terrorismo do Hamas contra Israel.

A Corte Internacional de Justiça da ONU em Haia não considerou que Israel esteja violando o direito internacional. Nem ordenou um cessar-fogo contra o Hamas. No entanto, o próprio Ministério de Direitos Humanos no Brasil, alguns sindicatos e outros já institucionalizam o antissemitismo ao qualificar essa guerra como “massacre” e “genocídio”. Pior: domingo passado (18) Lula comparou as ações de Israel em Gaza ao Holocausto nazista, o que causou uma reação imediata do primeiro-ministro Netanyahu de Israel: “As palavras do presidente do Brasil são vergonhosas e sérias. São sobre banalizar o Holocausto e tentar ferir o povo judeu e o direito israelense de se defender. Ele cruzou uma linha vermelha”.

No Brasil, os terroristas sádicos e sanguinários do Hamas viraram oprimidos inocentes enquanto antissemitas dizem: “Não temos nada contra judeus, mas sim contra o atual governo sionista de Israel”. Vejam bem: qualquer governo de Israel é, por definição, sionista. O sionismo é o nome do movimento que criou Israel. Qualquer um que se diga antissionista está defendendo a destruição de Israel e de todos os seus habitantes. Qualquer humanista deveria rejeitar esse tipo de racismo. É como se dissessem: “Não tenho nada contra os italianos, mas a Itália não deveria existir”. O fato de Israel e Itália terem primeiros-ministros de direita reforça o exemplo. Estatísticas confirmam que o antissemitismo é tão prevalente hoje como foi no início do nazismo.

Em um artigo publicado em 13 de novembro do ano passado já citei o brilhante economista americano Thomas Sowell, negro, ex-marxista, vindo de uma família pobre de Chicago. Ele ouviu uma pergunta instigante de um amigo judeu: “O que os judeus devem fazer para não serem mais perseguidos?”. Ele respondeu em uma única palavra: “Fracassem”. Espero que prevaleça o bom senso dos nossos políticos e o Brasil como nação continue exemplo de convivência pacífica entre todos os povos.

 

 

 

 

Por Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior em inovação e gestão pública da ONU em Nova York.

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