A comunidade jurídica ainda não se deu por vencida e não admitirá tamanha artimanha prejudicial ao mérito dos aposentados. Escreve Murilo Gurjão Silveira Aith.
02/04/2024 06:19
“Todos zelaremos pela segurança jurídica que está sendo ignorada”
No último dia 21 (quinta-feira), Barroso, valendo-se de suas atribuições como atual presidente da Suprema Corte, alterou novamente as pautas de julgamentos. O Tema de 1.102/STF (Revisão da Vida Toda), que seria o primeiro da pauta, teve o seu julgamento redesignado para o segundo da pauta, enquanto as ADIs 2.110 e 2.111 (que eram as segundas da pauta) foram julgadas primeiro.
A manobra jurisdicional de Barroso prejudicou o mérito definido na Revisão da Vida Toda, mediante nítida desvirtuação do controle concentrado, porquanto o acórdão proferido nas ADIs – cujo objeto é distinto daquele que integra a controvérsia no Tema de 1.102 e cuja deliberação ocorreu com outros ministros colocados pelo governo atual (vide Flávio Dino e Cristiano Zanin) e que sequer poderiam votar na Revisão da Vida Toda – alterou, ilegal e inconstitucionalmente, o pleito inicial dos legitimados das ações diretas.
Impende rememorar que o mérito do tema foi apreciado em dezembro de 2022, favoravelmente aos aposentados por 6 votos a 5, em duas ocasiões, no plenário virtual e no físico. Hodiernamente, encontram-se os autos pendentes de julgamento em razão da oposição, pelo INSS, de embargos de declaração, cujos pedidos versam apenas, em síntese, sobre inexistente violação à cláusula de reserva de plenário (questão vastamente apreciada no julgamento de mérito) e modulação dos efeitos da decisão para definição de possível marco temporal.
Na sessão presencial, foi deliberado – expressa e tacitamente, por força da preclusão – pela maioria dos ministros que tal feito não possuía relação com as ADIs, por se tratar de tese revisional com normas constitucionalmente validadas (art. 29 da Lei 8.123/91 e art. 3º da Lei9.876/99), pois do contrário, as ADIs teriam prejudicado a tese antes da definição do mérito. A propósito, no voto virtual da ministra aposentada Rosa Weber (que será preservado, conforme questão de ordem da ADI 5.399), expressamente, se reconhece a inexistência de relação entre os objetos do Tema 1.102 e das ADIs em controle concentrado.
Pois bem, as ADIs (2.110 e 2.111) tramitam sob a relatoria do ministro Kassio Nunes Marques e, em plenário virtual, também já havia sido definido – pela maioria dos ministros, acompanhando o ministro relator – que inexistem quaisquer relações. Eis os ministros que acompanharam integralmente o Nunes Marques: (I) Alexandre de Moraes; (II) Dias Toffoli; e, por fim, (III) Luiz Fux, (IV) Edson Fachin, (V) Carmen Lúcia e (VI) Edson Fachin.
Ocorre, no entanto, que o ministro Zanin requereu o destaque nas ADIs para que o julgamento fosse reiniciado e direcionado ao plenário presencial. Em 21 de março, os ministros Fux e Toffoli alteraram seu posicionamento, aliando-se ao entendimento aditado no meio do julgamento por Barroso e Gilmar Mendes, para dar aplicação cogente à norma de transição que prejudicou os aposentados e que é o objeto da Revisão da Vida Toda. Noutros termos, a cogência ou não da norma – que nunca fora discutida nas ADIs propostas na década de 90 – veio à tona, no meio do julgamento presencial, por dois ministros que, desde o início, tentam prejudicar o direito legítimo dos aposentados.
Flávio Dino, último ministro indicado por Lula, votou nas ADIs e, de forma indireta, acabou prejudicando a Revisão da Vida Toda (que, repita-se, estava com o mérito formado, assegurando o direito aos aposentados e reconhecendo que tal julgamento não possuía relação com as ADIs). Para quem se diz socialista com a graça de Deus, Dino, que demonstrou imensa atecnia em seu voto, surpreendeu todos que, verdadeiramente, lutam pelos direitos sociais.
Com Barroso, Gilmar Mendes, Zanin, Dino, Fux e Toffoli, o mal prevaleceu nas ADIs, fulminando, até o momento, o direito dos aposentados na Revisão da Vida Toda. Nunes Marques, relator das ADIs, que estava a favor dos aposentados, acabou, por mero capricho, alterando seu voto para não perder a relatoria do tema, mas sabemos que, no fundo, ele também era a favor dos aposentados. Brilhantemente, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Carmen Lucia e André Mendonça (que, inclusive, foi AGU durante toda a sua jornada), lutaram até o final por um direito já assegurado em plenário aos aposentados.
Estamos diante de verdadeira situação antijurídica, com fundamentos mirabolantes que violam axiologicamente a Constituição Federal (imparcialidade, devido processo legal, juiz natural etc.). Trata-se de verdadeira agressão institucional contra os mais vulneráveis e hipossuficientes. Inexistem palavras para definir a atitude do ministro Barroso que, manipulando pautas, fez prevalecer na sessão um debate econômico – em vez de jurídico –, induzindo os demais ministros ao erro para fulminar um direito consagrado em plenário anteriormente.
De forma singela, a moral dessa história será a seguinte: as teses corretas, as teses justas e as teses éticas podem enfrentar as reações mais retrógradas, mas irão prevalecer um dia. Essa é, afinal, uma questão intrigante: será que, em algum momento do futuro próximo, olharemos – com assombro – o episódio pelo qual o Supremo Tribunal Federal do Brasil, precisou assegurar, por acórdão, que o Estado não pode se apropriar indevidamente das contribuições efetivas dos contribuintes? Contribuintes esses que, hodiernamente, compõem aquilo que chamamos de “minorias”. Pessoas idosas, frágeis e desamparadas, que acreditaram no sistema contributivo brasileiro e que confiaram no Estado para lhes amparar no final de suas vidas.
Dada a ausência de trânsito em julgado nas ADIs, a comunidade jurídica ainda não se deu por vencida e não admitirá tamanha artimanha prejudicial ao mérito dos aposentados. Pelas vias adequadas, todos zelaremos pela segurança jurídica que está sendo ignorada e é o principal pilar do Estado Democrático de Direito, porquanto mantém o sustento da integridade das instituições, a previsibilidade, a confiança na atuação do poder público, além da estabilidade nas relações jurídicas.
Por Murilo Gurjão Silveira Aith é advogado e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.