Opinião – Como identificar falácias lógicas em uma discussão

Por enquanto, acredito que essa série de falácias é suficiente para manter o leitor alerta e impedir que seja levado por argumentos falaciosos. Escreve Natália Cruz Sulman.

25/04/2024 05:46

“Por exemplo, a declaração: “Ou você concorda com o governo Lula ou odeia os pobres”.”

Falácias lógicas são padrões de raciocínio defeituosos. Eles consistem em argumentos inválidos que, à primeira vista, podem soar persuasivos.| Foto: Pixabay

Quase todo mundo já se viu em discussões onde, mesmo sem ter razão, a outra parte parecia sair vitoriosa. Esse cenário é comum para aqueles que não estão familiarizados com as falácias lógicas, especialmente para os bons de coração, que podem se tornar alvos fáceis de narcisistas, psicopatas e livres manipuladores. Ao que precisamos não apenas ter a mansidão das pombas, mas também a sagacidade das serpentes, pelo menos se não queremos cair em suas armadilhas.

Mas o que são essas falácias lógicas? São padrões de raciocínio defeituosos. Eles consistem em argumentos inválidos que, à primeira vista, podem soar persuasivos. Mas quando analisados de forma rigorosa, revelam-se inconsistentes. O desafio é que identificar essas falácias pode ser difícil no início, mas o filósofo Stephen Downes organizou-as de maneira tão didática que nosso entendimento pode ser facilitado.

Falso dilema ou falsa dicotomia

Uma das falácias mais comuns é o “falso dilema” ou a “falsa dicotomia”. Esta falácia ocorre quando a palavra “ou” é usada para restringir as opções de resposta a uma pergunta, quando na verdade existem mais alternativas disponíveis.

Por exemplo, a declaração: “Ou você concorda com o governo Lula ou odeia os pobres”.

Será que não é possível discordar do PT porque ele formou o maior esquema de corrupção da história, além de manipular seu eleitorado, sem necessariamente sentir aversão pelos pobres? Este nível de falácia é tão rasteiro que muitas pessoas se sentem inibidas para discordar de um grupo dominante, como se só pudessem concordar com Lula para não parecerem desprovidas de compaixão.

É interessante notar que essa falácia não está restrita apenas a questões políticas, mas também se apresenta em contextos genuinamente existenciais. Por exemplo, ao se perguntar: “Você vai casar por amor ou por paixão?”, sugere-se que é preciso escolher entre uma das duas opções, quando na verdade é possível combinar ambas.

Porém, com o aumento dos divórcios devido à agenda progressista, os conservadores têm buscado alternativas em um universo formal, transformando o casamento com alguém que compartilhe dos seus mesmos valores o único critério de exigência.

Daí tem surgido um número significativo de pessoas que se casaram sem paixão mínima, apenas buscando segurança contra os desafios do mundo moderno. Assim, para muitos, o casamento se tornou uma mera conveniência, não social, mas ideológica. Seria mais vantajoso considerarmos a seguinte abordagem: amor, sim; mas, também, paixão.

Apelo à ignorância

Outra falácia comum é o “apelo à ignorância”, que ocorre quando alguém diz que algo é verdadeiro porque não foi provado ser falso, ou vice-versa. Por exemplo, um homem de fé argumenta: “Deus existe, porque ninguém provou sua inexistência.” O problema com essa linha de pensamento é que a falta de evidência contra algo não pode confirmar sua existência. Da mesma forma, a dificuldade em refutar uma hipótese não a torna verdadeira. Como frequentemente citado por filósofos: “A ausência de prova não é prova da ausência.”

Um dos intelectuais que se destacou nesse cenário foi Bertrand Russell, conhecido por suas críticas abertas à existência de Deus, em particular ao Cristianismo. Ele ilustrou sua posição com a famosa analogia do “bule de chá”. Russell propôs que se um homem afirmasse, sem evidências, que um bule de chá orbita o Sol entre a Terra e Marte, seria irracional esperar que todo mundo acreditasse nessa afirmação simplesmente por não poder ir a Marte provar sua inexistência. Assim, o filósofo mostra que o ônus da prova recai sobre aquele que faz uma afirmação, não sobre quem a contesta.

Claro, esse princípio lógico não significa que seja impossível provar a existência de Deus, como fizeram Aristóteles, em sua “Metafísica”, e Tomás de Aquino, em sua “Suma Teológica”. A questão fundamental é evitar a ingenuidade em nossas crenças e buscar argumentos sólidos, a fim de não sermos ideólogos em nossa fé (de ideologia já basta o Marxismo). E eu até poderia apresentar as provas da existência de Deus dos metafísicos, mas isso não será feito neste artigo, pois continuarei a apresentar as falácias.

Derrapagem ou bola de neve
Outra falácia comum é a “derrapagem” ou “bola de neve”. Esse padrão de raciocínio ocorre quando alguém afirma que certas ações resultarão em uma série de consequências negativas, sem apresentar evidências sólidas para sustentar essa cadeia de eventos catastróficos.

Em essência, trata-se de exagerar o impacto de uma única ação, de forma similar a uma bola de neve pequena que cresce ao rolar ladeira abaixo. Por exemplo, alguém poderia dizer: “Nunca se deve beber álcool, pois ao tomar um copo, a pessoa sentirá vontade de beber mais e mais, até chegar à embriaguez. Logo perderá o controle de suas ações, tornando-se agressiva e despudorada, assemelhando-se a um animal selvagem.”

Essa ideia é tão falaciosa que até eu, que não gosto de beber, vou questionar: será realmente impossível consumir álcool de forma moderada? Um exemplo disso é o próprio Jesus, que durante a Última Ceia compartilhou pão e vinho com seus discípulos. Na cultura judaica, o vinho era uma bebida comum em celebrações, e as pessoas conseguiam manter um equilíbrio.

Acredito que Jesus tenha oferecido esse exemplo como uma demonstração de moderação e autocontrole. A verdade é que uma quantidade moderada de álcool pode até aumentar a sensibilidade, ao passo que o exagero resulta na perda total dessa sensibilidade. O perigo mesmo está em adotar uma mentalidade extremista de tudo ou nada.

Apelo à piedade ou à emoção

Outra falácia comum é o apelo à piedade, que ocorre quando alguém tenta justificar uma posição não com base na razão, mas sim nas emoções. Essa falácia manipula os sentimentos das pessoas, evocando simpatia ou tristeza para obter apoio para uma determinada conclusão ou para justificar uma ação específica, sem apresentar uma justificativa sólida para tal.

Por exemplo, um funcionário pode demonstrar preguiça no trabalho, mas, ao ser confrontado pelo chefe sobre sua má performance, em vez de assumir a responsabilidade por seus erros, começa a reagir emocionalmente, alegando que não conseguiu trabalhar devido à pressão desumana do chefe, problemas conjugais ou outras dificuldades pessoais. Um estudioso de lógica saberia que o estado lastimoso do argumentador não torna seus argumentos verdadeiros.

Apelo às consequências

Por sua vez, o apelo às consequências ocorre quando se tenta argumentar que uma crença é falsa com base em suas implicações. A afirmação de que “Se Deus não existisse, a vida não teria sentido” é um exemplo desse tipo de argumento.

Afinal de contas, alguns filósofos, como Sartre, Camus e Nietzsche, sugeriram que a vida não possui um sentido intrínseco, além das pessoas que encontram propósitos mesmo sendo ateias. Portanto, embora seja válido discutir a existência de Deus, é preciso prová-la sem recorrer a falácias.

Apelo ao povo

Outra falácia comum é o apelo ao povo, que ocorre quando se argumenta que uma proposição é verdadeira simplesmente porque a maioria acredita nela. Por exemplo: “Todo mundo está dizendo que Trump vai perder as eleições. Então por que você insiste em teorias excêntricas?” Essa linha de raciocínio pressupõe que a opinião da maioria é sempre correta.

E, embora em tempos normais a maioria frequentemente esteja correta, uma vez que as afirmações falsas geralmente surgem de paixões individuais que podem nos desviar do consenso geral, é importante reconhecer que em tempos de manipulação ideológica ou em situações excepcionais, a verdade pode estar em outro lugar. Portanto, a maioria pode indicar uma probabilidade de verdade, mas nem tudo o que é provável ocorre necessariamente.

Ataques pessoais (argumentum ad hominem)

Finalmente, a falácia mais conhecida é o ad hominem, que envolve atacar o caráter, as circunstâncias ou as ações do argumentador, em vez do argumento em si. Mas o que poucos sabem é que existem várias formas de ad hominem:

Ad hominem abusivo: Isso ocorre quando alguém ataca a pessoa em vez da afirmação, como dizer: “Você não pode acreditar na teoria de que o poder é produtivo além de repressivo, porque esta foi proposta por Foucault, e ele era um pervertido.”
Ad hominem circunstancial: Em vez de contestar uma afirmação, aponta-se para as circunstâncias em que a pessoa a fez, como: “Você não pode argumentar contra o aborto, porque como você é rica, se engravidasse, poderia sustentar a criança. Queria ver dizer que aborto é assassinato se fosse pobre!”
Ad hominem tu quoque: Isso acontece quando alguém argumenta que a pessoa não pratica o que prega e, portanto, a afirmação está errada, como: “Você não pode defender o casamento, porque você mesmo nunca se casou.”

Essas são diferentes formas de ad hominem, todas envolvendo ataques à pessoa em vez de discutir o mérito da afirmação em questão.

Apelo à autoridade

Outra falácia muito famosa é o apelo à autoridade. Ela consiste em sustentar uma opinião porque uma autoridade a defendeu. O problema é que, embora haja grande probabilidade de um sábio dizer a verdade, até as pessoas mais sábias podem errar. Além disso, frequentemente se fala da opinião de pessoas que não são peritas no assunto, como artistas e atores falando de política.

Sem contar que, mesmo no caso de especialistas, raramente há consenso entre peritos do mesmo campo. Ainda há os casos de autoridades inventadas, como cientistas de Harvard (sem dizer quem são esses cientistas) ou atribuições de frases a filósofos que nunca disseram aquilo.

Conclusão

Existem muitas outras falácias apresentadas nos manuais de lógica, porém, não as abordarei neste artigo para evitar torná-lo excessivamente longo. Por enquanto, acredito que essa série de falácias é suficiente para manter o leitor alerta e impedir que seja levado por argumentos falaciosos. Talvez eu escreva outro artigo abordando essas outras falácias no futuro. Se isso interessar a você, por favor, deixe seus comentários.

 

 

 

 

Por Natália Cruz Sulman, graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Autora da obra ‘A poética de Platão: Conteúdo e Forma nos Diálogos’. Escreveu capítulos para os livros ‘Guia de bolso contra mentiras feministas’ e ‘Guerra cultural na prática’. Já publicou na Revista do Livro da Biblioteca Nacional.

Tags: