Se a ideia do trabalhismo tinha fundamentação quando foi criada, hoje há outra realidade que fundamenta seu fim. Escreve Luiz Philippe de Orleans e Bragança.
03/05/2024 12:50
“As ideias nunca terminam, simplesmente deixam de fazer sentido se o contexto muda”
A luta pelo controle da narrativa sobre o 1º de maio continua. Esquerdistas do pós-Segunda Guerra Mundial não gostam de validar que o dia do trabalhador tenha sido implementado, celebrado e difundido pelos fascistas Mussolini e Hitler. No Brasil o 1º de maio foi elevado durante nossa ditadura fascista com Vargas e na Argentina, pelo aliado de Hitler, Perón.
Essa realidade aterroriza os militantes de esquerda que tentam encaixar a história na narrativa. Mas para os observadores conscientes, o Fascismo nunca foi inimigo do socialismo. Ao contrário. O fascismo é socialismo; e é a versão do socialismo com maior adesão. Mussolini na Itália, Hitler na Alemanha, Salazar em Portugal, Franco na Espanha, Vargas no Brasil, Perón na Argentina e diversos outros foram fascistas tanto quanto foram socialistas.
Como estes contrastavam com Stalin na União Soviética, Mao Tse Tung na China, Tito na Iugoslávia, Ceausescu da Romênia, Fidel em Cuba ou Chávez na Venezuela? Em intensidade, ou seja, não contrastavam. Se a história do pós-guerra tivesse sido contada por esse filtro, tudo ficaria mais claro.
O fascismo/socialismo tem por natureza o controle total de tudo e de forma centralizada. Nos países em que o ele floresceu, os graus eram variados, mas as características de base eram as mesmas. Havia confisco ou controle da propriedade privada através de regulamentação e de impostos, controle preços, estatização, controle da oferta e da demanda de praticamente tudo, definição das opções de produtos e serviços, limitação de competição e reserva de mercado, controle cambial, controle migratório, unipartidarismo, censura e, é claro, repressão política.
Há liberdades individuais no fascismo/socialismo? Sim, mas só para os diretamente envolvidos com o regime.
E as relações entre empregador e empregado? Também eram controladas. Aqui no Brasil foi por meio da Consolidação de Leis do Trabalho, nossa CLT, uma cópia da “Carta del Lavoro”, de 1927, de Mussolini. E o problema de controle das relações trabalhistas só se agravou no decorrer do século 20 à medida que a economia e a oferta de trabalho se tornaram cada vez mais diversificados. A CLT ao longo desse tempo mitigou a liberdade dos trabalhadores de se empregarem livremente, e dos empregadores de oferecerem condições de trabalho mais variadas, limitando a oferta de empregos e a soberania dos contratos entre empregado e empregador.
O resultado, depois de quase um século de CLT, foi um desenvolvimento econômico medíocre e muitas empresas e trabalhadores agindo à margem da formalidade por décadas.
Como o trabalhismo criou raiz?
O trabalhismo surge como movimento de base no proletariado, que por sua vez surgiu com a Revolução Industrial: o crescimento da industrialização e concentração urbana ocorreu a partir do final do século 18. As condições de trabalho durante toda a Revolução Industrial do século 18 e 19 eram as piores possíveis e as opções dos trabalhadores, muito limitadas.
Naquela época, o trabalho era exercido no campo ou nas indústrias, em torno dos centros urbanos; essas eram as únicas opções capazes de absorver a crescente oferta de mão de obra. Outros setores da economia que conhecemos hoje como comércio, transporte, turismo, tecnologia, comunicações, finanças e serviços eram limitados ou inexistentes.
Além disso, é importante notar que no século 18 e 19, a informação demorava muito tempo para ser difundida, e era imperfeita, o que afetava a formação de preços e criava muita variação nos mercados. A falta de sinalização frequente sobre tendências de mercado fazia os produtores da época adotarem ajustes brutais de última hora ao se depararem com uma demanda menor: isso causava períodos de desemprego setoriais súbitos e consequente instabilidade social.
É nesse contexto do século 19 que Marx publica “O Manifesto Comunista” e “O Capital”; o primeiro direcionou o movimento social de unificação do proletariado mundial para a tomada de poder político; e o segundo justificou o controle total do Estado para eliminar o domínio capitalista e proteger o governo do proletariado.
Não há como negar os impactos políticos dessas duas obras na política do século 20, mas também é inegável que foi o poder concentrado dos fascistas/socialistas que as impulsionaram.
E no contexto de hoje?
Depois de quase 100 anos de trabalhismo implementado em países da Europa, vemos que lá esse movimento é mero eco de uma era passada. A base do trabalhismo, o proletariado, finalmente se libertou. Mas foi o aumento da diversidade de oferta de empregos, e não as regras trabalhistas, que inverteu o poder de barganha em favor dos trabalhadores.
Essa inversão forçou a uma revisão da esquerda por lá: a antiga esquerda, promotora de leis trabalhistas, sindicatos e corporativismos cedeu lugar a uma nova esquerda identitária, que aderiu a temas supranacionais, ou seja, globalista.
Cada vez mais se percebe que o trabalhismo não é adequado aos novos serviços e setores da economia moderna. O choque é frontal, e isso fez aumentar a consciência da opinião pública contra as regras trabalhistas, pois estas diminuem ofertas de emprego na nova economia.
O esforço da velha esquerda em querer regulamentar trabalho de serviços não-regulamentados, como Uber e iFood, contrariando os próprios trabalhadores que não querem regulamentação, é prova cabal desse anacronismo.
Some-se o fato de que ao invés de proteger a renda do trabalhador as regras trabalhistas sugam parte de sua renda e poupança para financiar sindicatos e previdência estatal – ambos corruptos e ineficientes. No Brasil o atual governo ressuscitou o imposto sindical e como consequência há filas de trabalhadores em todo o Brasil para se desvincular da obrigatoriedade desse imposto. O governo também insiste em onerar a folha de pagamentos para fechar o rombo crescente da previdência, sem validar o alerta de que isso possa causar desemprego.
É no mínimo revoltante dar-se conta da realidade: quanto mais regras para proteger o trabalhador, menos oportunidades e menos renda.
Tecnologia, o crepúsculo do trabalhismo
No marxismo, aprende-se que o lucro do empresário vem da exploração do proletariado. Mas o que a tecnologia vem apontar? Que lucro da empresa não necessariamente vem da opressão do proletariado. Há inúmeros inovadores, muitos jovens, inclusive, que criaram em casa seus aplicativos, lançaram-nos no mercado e ganharam muito dinheiro sem empregar ninguém!
Hoje em dia a comunicação direta entre o empreendedor e seu consumidor prescinde de empregados, que são necessários apenas se o serviço não puder ser suportado por uma só pessoa. Muito antes dessa revolução tecnológica de hoje, a destruição da ideia trabalhista já tinha sido consolidada através da globalização e da livre iniciativa, à medida que o emprego na indústria migrava para países menos regulamentados por leis trabalhistas.
A tendência do trabalho braçal no campo e na indústria sendo substituído por processos automatizados comandados por robôs continua. Assim como cresce a absorção da mão de obra pelos novos setores de tecnologia, que criam os empreendedores, que irão criar os produtos e serviços do futuro.
Nesse novo contexto, o trabalhismo, como representado na CLT, não tem como sobreviver, assim como o sindicalismo. Profissionais liberais do mundo inteiro estão cada vez mais em busca de oportunidades tecnológicas e individuais, e anseiam por acesso direto aos mercados, sem a intermediação de um empregador. Para eles, o trabalhismo já acabou.
O estrebuchar final
O trabalhismo precisou da mão pesada do fascismo para ser implementado e no Brasil precisa da mesma mão de um governo arcaico e corrupto para sobreviver. Tornou-se mera alavanca política de ameaça contra os empregadores, pois ninguém mais crê em uma ideia obviamente já vencida. As ideias, aliás, nunca terminam, simplesmente deixam de fazer sentido se o contexto muda. Se a ideia do trabalhismo tinha fundamentação quando foi criada, hoje há outra realidade que fundamenta seu fim.
Por Luiz Philippe de Orleans e Bragança é deputado federal por São Paulo, descendente da família imperial brasileira, trineto da princesa Isabel, tetraneto de d. Pedro II e pentaneto de d. Pedro I, sendo o único da linhagem a ocupar um cargo político eletivo desde a Proclamação da República, em 1889. Graduado em Administração de Empresas, mestre em Ciências Políticas pela Stanford University (EUA), com MBA pelo Instituto Européen d’Administration des Affaires (INSEAD), França. Autor dos livros “Por que o Brasil é um país atrasado”, “Antes que apaguem”, “A Libertadora – Uma Nova Constituição para o Brasil” e “Império de Verdades”.