A ministra da “Igualdade Racial” fez propaganda do PT em sua mensagem de solidariedade – mas depois separou as postagens da propaganda e da solidariedade. Escreve J.R. Guzzo.
10/05/2024 06:33
“Na melhor das hipóteses, são histórias pessimamente contadas.”
O grande problema com o fundo do poço, em matéria de coisa ruim, é que realmente não há um fundo para esse tipo de poço. O governo Lula, por exemplo, mostra aí a sua marca inconfundível: por pior que esteja, sempre pode piorar mais. As enchentes no Rio Grande do Sul são o cenário mais recente que encontraram para superar os seus próprios recordes de ruindade.
Diante de uma das maiores tragédias que a população gaúcha já viveu, e da sua inépcia fundamental em tomar uma única medida útil em favor das vítimas, o governo revelou o que realmente o preocupa no momento: as fake news que descobre em cada postagem feita das redes sociais sobre sua incompetência. É realmente uma obsessão. Com mais de 100 mortos, um estado inteiro em agonia e um futuro apavorante para centenas de milhares de seres humanos, o Ministério da Justiça e a sua Polícia Federal armaram uma operação de guerra para investigar cidadãos que consideram suspeitos de divulgar “narrativas desinformativas” sobre as enchentes.
A Secom se refere a publicações “criminosas” feitas nas redes sobre a enchente. Quais seriam? Postagens que falam da “ineficiência do governo”, por exemplo.
Esqueça-se, por um minuto, a pura e simples depravação de sair à caça de “notícias falsas” numa hora em que há gente morrendo por falta de ajuda. “Narrativas desinformativas”? Que diabo seria isso? É exatamente aquilo que você está pensando: notícias que o governo não gosta, sobretudo as verdadeiras, e qualquer crítica à sua atuação geral na calamidade gaúcha.
É mais uma trapaça agressiva, na ideia fixa de Lula, do STF e da esquerda de comandar o “enfrentamento das fake news”. O que querem mesmo, como fica outra vez na cara, é censurar. Como não precisam censurar a imprensa tida como tradicional, vão para cima das pessoas que estão escrevendo ou gravando na internet, com inquérito policial e ameaça de prisão. Para cima do quê, mais exatamente? De tudo o que a Secretaria de Comunicação do governo, ou o “Ministério da Mídia”, não gosta. Foram eles os primeiros a chamar a polícia. Sua atividade normal é distribuir dinheiro para os veículos de comunicação amigos – os que não “desinformam”. As enchentes trouxeram à tona o seu papel como agentes da repressão.
É claro que eles querem proibir tudo, ou o máximo. No documento neurastênico que enviou ao Ministério da Justiça, a Secom se refere a publicações “criminosas” feitas nas redes sobre a enchente. Quais seriam? Postagens que falam da “ineficiência do governo”, por exemplo. Não é, em absoluto, uma notícia falsa. É apenas uma opinião – que pode ou não estar correta, mas é livre, segundo está escrito na lei.
Foram denunciadas, também, menções à “falta de atenção” do “governo federal” e comentários sobre o a “rapidez da Força Aérea Brasileira” em levar 125 toneladas de alimentos para Cuba – e a lentidão da sua assistência ao Rio Grande. É pura e simples maneira de ver as coisas, só isso. Mas não pode.
O governo está indignado com outra coisa ainda: a maioria dos vídeos postados nas redes sociais mostra a própria população no trabalho de socorro, e não a ação dos “agentes públicos” – o que, segundo a Gestapo federal, é uma tentativa de mostrar que as pessoas estão fazendo mais que os governos. Acham que essa realidade é intolerável.
O governo citou, como exemplo de fake news, a recusa de ajuda do Uruguai – mas a ajuda foi oferecida, e julgada desnecessária pelas Forças Armadas por motivos técnicos. Negou-se furiosamente que caminhões levando alimentos para o Rio Grande do Sul tenham sido multados pela PRF por excesso de peso – mas as multas foram de fato aplicadas, segundo o próprio governo, com a promessa de que não vão ser cobradas.
A ministra da “Igualdade Racial” fez propaganda do PT em sua mensagem de solidariedade – mas depois separou as postagens da propaganda e da solidariedade, e tudo acabou na bacia das denúncias contra as “notícias falsas”. Na melhor das hipóteses, são histórias pessimamente contadas. Na hipótese realista, é o governo aproveitando a neurose que tem com as fake news para distribuir, ele próprio, as suas fake news. Em qualquer das duas, é o governo Lula mostrando de novo que só tem um lado – o lado ruim.
Por J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.