Opinião – Defender o direito à propriedade é defender a segurança jurídica para todos

Também é preciso haver uma visão mais macro no sentido de que a insegurança jurídica impacta toda a sociedade. Escreve Alam Bousso.

03/06/2024 13:10

“Ao se relativizar o direito à propriedade (…) abre-se caminho para que outros direitos sejam relativizados”

MST realizou 24 ocupações em 11 estados brasileiros, no dia 15 de abril de 2024, com mais de 20 mil famílias Sem Terra.| Foto: MST BA

O direito à propriedade é um direito fundamental e inviolável, garantido no artigo 5º da Constituição Federal. Afirmar isso pode soar como obviedade, mas é importante relembrá-lo diante das relativizações feitas a esse direito em diversos âmbitos do cenário brasileiro. Ele não é novidade do texto constitucional de 1988. Desde 1808, os portugueses trouxeram essa conceito ao cenário jurídico brasileiro, que foi sendo aprimorado e detalhado conforme as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade ao longo do tempo.

Em caso de desrespeito a esse direito, o Código Civil aponta quais itens devem ser comprovados pelo autor que venha a requerer a reintegração de posse do imóvel: a posse do imóvel, a turbação ou esbulho (invasão) praticados pelo réu, a data da turbação ou esbulho, e a continuação ou perda da posse, respectivamente em caso de turbação ou esbulho.

Feitas as comprovações pelo autor, não devem restar dúvidas quanto aos seus direitos. Não se pode esquecer, é claro, a função social da propriedade, também prevista no artigo 5º da Constituição. Porém, não é possível que seja aceita qualquer argumentação com uma visão simplista sobre esse tema. É fato que existem pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, que precisam ter garantido o direito à moradia. Mas esse direito não pode ser efetivado ao se enfraquecer os direitos de outras pessoas.

No caso dos imóveis, a situação é extremamente complexa. Famílias que muitas vezes enfrentam dissabores de toda espécie – como problemas de saúde, perdas familiares, revezes financeiros e trâmites onerosos e nem sempre pacíficos de inventários – podem se ver temporariamente sem plenas condições de habitar em determinado bem. Nem por isso, tal imóvel deixa de ser relevante para seus proprietários ou perde sua função social.

A verdade é que a legislação brasileira pouco se aprofunda sobre o que de fato é a função social e o que baliza seu cumprimento. Há na doutrina e na jurisprudência posições que se colocam conforme as visões e as necessidades dos envolvidos. Mas não há dúvidas de que a posição do legislador, ainda que gere debates complexos, uma vez definida, viria a dirimir muitas incertezas a respeito do tema.

Enquanto não há parâmetros certeiros, a vulnerabilidade de uns não pode ser motivação para reduzir direitos de outros. Não se trata aqui de menosprezar as diferentes necessidades ou ignorar os problemas sociais do país. A questão é que as soluções precisam vir pelos caminhos acertados. Políticas sociais e gestão pública devem dar conta de garantir direitos sociais como o de moradia. Não serão decisões pontuais do Judiciário de subtração da propriedade alheia que resolverão esse desafio.

Também é preciso haver uma visão mais macro no sentido de que a insegurança jurídica impacta toda a sociedade. Ao se relativizar o direito à propriedade de alguns sob justificativas questionáveis, abre-se caminho para que outros direitos sejam relativizados e até aviltados de maneira imponderada. O tema é delicado e, à primeira vista, pode parecer que as necessidades dos mais vulneráveis podem justificar qualquer medida mais imediatista. Mas a realidade é que, uma vez que a insegurança jurídica impere, cedo ou tarde, também os mais vulneráveis que sofrerão seus impactos.

 

 

 

 

Por Alan Bousso, advogado, sócio do Cyrillo & Bousso Advogados e mestre em Direito Civil.

Tags: