Opinião – MP do Fim do Mundo: o Brasil quer exportar produtos e não dificuldades

Há muitos desafios para a redução da carga tributária no curto prazo e o governo está agindo para combater os desequilíbrios fiscais. Escreve Emanuel Pessoa.

01/07/2024 17:31

“Aplicar medidas de aumento da arrecadação sem uma contrapartida eficiente que desonere o setor produtivo, resultará em perda de competitividade”

Porto de Paranaguá. Foto: Ivan Bueno/ APPA

Se o Brasil quiser que o agronegócio e outros setores produtivos continuem competitivos no comércio mundial, precisa desonerar a carga tributária dos exportadores ao invés de criar dificuldades fiscais. Essa é uma decisão estrutural das mais importantes, visto que um país que exporta mais tributos fatalmente vende menos produtos. Este é o cenário que teríamos se a Medida Provisória (MP) 1227/2024, a MP do Fim do Mundo, editada em 4 de junho, não tivesse sido rejeitada pelo Congresso uma semana depois.

A pressão da indústria e do agronegócio contra a MP repercutiu no parlamento, que devolveu a norma ao Executivo para considerações e ajustes. Mas os efeitos já foram sentidos e deixa uma mensagem: se quisermos continuar mantendo bons resultados na balança de pagamentos e aumentar o desempenho do nosso setor exportador, precisamos desonerar a tributação não apenas dessa cadeia, mas de todo o ecossistema econômico.

A MP 1227 publicada pelo governo federal tem como pontos principais que as empresas do regime não cumulativo, a partir de agora, só poderiam usar os créditos do PIS/COFINS para abater o saldo devedor do próprio imposto. Antes de junho, esse crédito era usado para compensar outros impostos, como o IR, Imposto de Importação, ICMS, ISS e débitos previdenciários. Outro ponto da MP é que o crédito presumido de PIS/COFINS que as empresas recolheram e têm direito não seria ressarcido em dinheiro pela administração pública.

O governo justificou que a medida seria necessária para cobrir a renúncia fiscal que vem da desoneração da folha de 17 setores, chamando-a de MP do Equilíbrio Fiscal ou MP do Leão. O setor produtivo pensa o oposto e considerou que ela é a MP do Fim do Mundo. O motivo? Setores importantes da economia, como o agronegócio, têm produtos isentos de tributação (alimentos da cesta básica, por exemplo) e não há débitos de PIS/Cofins. A exemplo do agro, a medida atinge em cheio outros segmentos exportadores, como mineração, petróleo, óleo e gás. E se eles não podem mais usar os créditos que acumulam desses tributos para abater outros, terão que pagar em dinheiro.

Seria necessário, então, realocar recursos que antes seriam investidos em melhorias operacionais para o pagamento de tributos. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considera que a MP custaria R$29,2 bilhões ao setor industrial neste ano – valor aproximado que o governo estima arrecadar – e outros R$60,8 bilhões em 2025.

Uma alternativa atual seria solicitar que o crédito de PIS/COFINS seja devolvido em dinheiro, mas o mecanismo de compensação tributária foi vetado pela MP. Sem ele, as empresas teriam que equilibrar a parte financeira aumentando os preços e, com isso, perdendo competitividade.

Por pouco tempo, os efeitos da MP se refletiram no preço final dos produtos No período que a MP do Fim do Mundo foi editada – uma semana –, o Departamento de Agricultura dos EUA informou que 208 mil toneladas de soja local foram compradas por empresas chinesas, uma “venda relâmpago” que só havia acontecido em janeiro.

Analistas afirmam que esse movimento no mercado internacional estava relacionado à edição da MP. Foi um ponto de atenção, porque é uma soja que o Brasil deixou de vender em função do encarecimento esperado do produto. Como setor estratégico para a balança comercial brasileira, o agronegócio precisa ser competitivo.

Sabemos que há muitos desafios para a redução da carga tributária no curto prazo e o governo está agindo para combater os desequilíbrios fiscais. Mas aplicar medidas de aumento da arrecadação, como a MP do Fim do Mundo, sem uma contrapartida eficiente que desonere o setor produtivo, resultará em perda de competitividade. O Brasil precisa crescer, e para isso acontecer é importante termos racionalidade tributária.

 

 

 

Por Emanuel Pessoa, advogado especializado em Direito Societário, Governança Corporativa, Direito Internacional, Contratos e Disputas Estratégicas, é mestre em Direito pela Harvard Law School, doutor em Direito Econômico pela USP, certificado em Negócios por Stanford, bacharel e mestre em Direito pela UFC, além de palestrante e comentarista. Também é professor da China Foreign Affairs University.

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