A sensação de que poderosos estão acima da lei desmoraliza o cidadão comum, desencorajando a participação cívica e fortalecendo uma cultura de apatia. Fabio Tavares Sobreira,
18/07/2024 05:42
“o Brasil continuará a sofrer as mazelas de uma governança pautada pela inversão de valores”
No recente episódio envolvendo o Tribunal de Contas da União (TCU) e o arquivamento do processo sobre os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no exterior, evidencia-se uma gritante inversão de valores que corrói a integridade das instituições brasileiras. A decisão do TCU de arquivar uma investigação de tamanha relevância econômica e social é um escárnio ao papel constitucional que a instituição deveria desempenhar: o de guardiã da probidade administrativa e dos interesses do povo brasileiro.
O financiamento de obras em países estrangeiros com recursos do BNDES sempre foi um tema polêmico. Trata-se de um banco público, sustentado com recursos dos contribuintes brasileiros, cujo objetivo primordial deveria ser o desenvolvimento nacional. No entanto, sob pretextos diplomáticos e comerciais, bilhões de reais foram direcionados para obras em nações como Cuba, Venezuela e Moçambique. E o que o Brasil ganhou com isso? Estruturas megalomaníacas em terras alheias enquanto falta saneamento básico em inúmeras comunidades brasileiras. A injustiça social perpetuada por tais investimentos é notória, e a negligência do TCU em investigar a fundo este desvio de finalidade é ainda mais escandalosa.
O arquivamento deste processo pelo TCU é uma demonstração clara de como as elites governantes e seus aparatos institucionais distorcem suas responsabilidades. O TCU, que deveria ser um bastião contra a má gestão e a corrupção, se coloca como cúmplice silencioso de um sistema que premia a ineficiência e a corrupção. Este ato não apenas desrespeita a legalidade, mas também fere mortalmente a confiança pública nas instituições.
Em um país onde a desigualdade social é abissal, decisões como esta do TCU agravam ainda mais a situação. Enquanto milhões de brasileiros lutam diariamente por dignidade e acesso a serviços básicos, os recursos que poderiam alavancar o desenvolvimento local são escoados para projetos duvidosos no exterior. Essa inversão de prioridades é uma punição cruel ao povo brasileiro, que, ao pagar seus impostos, espera, no mínimo, que esses recursos sejam utilizados para o seu bem-estar e progresso.
Ademais, a impunidade que emerge de decisões como esta cria um círculo vicioso onde a falta de accountability se torna a norma. A sensação de que poderosos estão acima da lei desmoraliza o cidadão comum, desencorajando a participação cívica e fortalecendo uma cultura de apatia e resignação. Quando o TCU, uma instituição que deveria zelar pela transparência e eficiência no uso dos recursos públicos, age em desfavor do interesse coletivo, não apenas falha em seu dever constitucional, mas também contribui para o aprofundamento da crise ética que assola o país.
É imperativo que o Brasil se volte para um caminho de responsabilidade fiscal e social, onde instituições como o TCU cumpram efetivamente suas funções de fiscalização e controle. A população não pode mais ser refém de um sistema que a marginaliza em detrimento de interesses escusos e alinhamentos políticos nebulosos. O verdadeiro desenvolvimento de uma nação se mede pela qualidade de vida de seu povo e pela retidão de suas instituições. Até que o TCU e outras entidades afins tomem para si a responsabilidade que lhes é devida, o Brasil continuará a sofrer as mazelas de uma governança pautada pela inversão de valores e pela desfaçatez institucional.
Este episódio do TCU não é apenas um escândalo isolado; é um sintoma de um mal maior que precisa ser combatido com vigor. Somente com a revalorização dos princípios constitucionais e com o fortalecimento do compromisso ético das instituições, o Brasil poderá trilhar um caminho de verdadeira justiça e progresso social. É hora de exigir mais, de não se conformar com a mediocridade e de lutar por um país onde o interesse público seja, de fato, a prioridade máxima.
Por Fabio Tavares Sobreira, professor de Direito Constitucional, é pós-graduado em Direito Público e mestrando em Gestão e Políticas Públicas pela FGV.