A eleição, ao contrário do que pretendia Maduro, descerrou ainda mais a realidade que ainda era encoberta por simpatizantes de regimes totalitários, desde que eles sejam de esquerda. Escreve Alexandre Garcia.
30/07/2024 15:42
“O que ele fez só mostra para os mais ingênuos que não há democracia na Venezuela”
Ingenuidade a nossa, dos que queríamos acreditar que um ditador convocasse eleições para perder, e não para homologar, legalizar seu nome no poder. Segundo a oposição, o resultado seria 70% a 30%, derrotando Maduro. Mas foi de 51,21% para Maduro, talvez um porcentual tabelado por já conhecido algoritmo. Só no exterior, havia cerca de 4 milhões de eleitores, praticamente todos votando contra Maduro, já que fugiram de perseguição política ou de uma economia arruinada. Mas apenas uns poucos milhares puderam votar. No dia das eleições, agiu a “polícia eleitoral”, fechando ou abrindo lugares de votação, e boa parte das atas não foi considerada – ainda de acordo com a oposição. Enfim, tudo como se deveria esperar, não houvesse a ingenuidade animada da nossa esperança.
Não há caso de ditador sair pelo voto; só há caso de ditador usar arremedo de eleições para jactar-se de vitória democrática e tentar legitimar-se. Dificilmente consegue legitimar-se, embora legalize-se. Só será legítimo se tiver a permissão do povo. E o que se vê na Venezuela é a não aceitação generalizada do resultado oficial. Ao que tudo indica, numa eleição, por exemplo, assumida pela ONU, ainda que Maduro fosse derrotado, teria seis meses até a posse para inventar uma agressão da Guiana à honra da Venezuela. A tropa está na fronteira, para lavar a honra, e um estado de sítio ou estado de guerra facilmente seria o pretexto para manter o comandante supremo Maduro no poder, já que a oposição não pretende tomar Essequibo.
O presidente do Brasil mandou como observador o seu assessor para política externa, Celso Amorim, que trata Maduro com o mesmo amor com que tratou o esquerdista Manuel Zelaya, derrubado pelo Congresso e pelo Supremo de Honduras, que se homiziou na embaixada brasileira em Tegucigalpa e a converteu num diretório político. Celso Amorim já disse que observou tudo e viu que foi uma eleição limpa, democrática. O Itamaraty teve imenso trabalho para emitir uma nota sobre a transparência ainda não aceitável de atas, mas saudando “o caráter pacífico da jornada eleitoral”.
O esquerdista presidente do Chile, Gabriel Boric, postou no X algo que pode bem servir de recado para Celso Amorim: “Exigimos que observadores internacionais não comprometidos com o governo deem conta da veracidade dos resultado”. E foi fundo: “O regime de Maduro deve saber que os resultados publicados são difíceis de acreditar. Exigimos total transparência das atas”. Boric coincidiu com a posição que levou Bolsonaro à inelegibilidade ao postar: “Não reconheceremos nenhum resultado que não seja verificável”. Peru, Uruguai, Costa Rica, Argentina, Guatemala tampouco aceitam o resultado.
A eleição, ao contrário do que pretendia Maduro, descerrou ainda mais a realidade que ainda era encoberta por simpatizantes de regimes totalitários, desde que eles sejam de esquerda. O que ele fez só mostra para os mais ingênuos que não há democracia na Venezuela. O prócer uruguaio Don José Artigas, no Congresso de Abril de 1813, deixou esse princípio lapidar que as crianças recebem nas escolas: “Minha autoridade emana da vontade de vocês, o povo; e cessa diante da vossa presença soberana”. Quando cessa a soberania popular e impõe-se a vontade de um homem, seja quem for, é porque já não há democracia. O que Maduro fez no domingo reforçou o despertar da cidadania – tomara que por toda a América Latina.
Por Alexandre Garcia, colunas sobre política nacional publicadas de domingo a quinta-feira