Opinião – Por que ministros do STF precisam de “prazo de validade”

Não podemos esquecer de Rui Barbosa que foi certeiro em seus dizeres: “A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. Escreve Fábio Oliveira.

 

01/08/2024 05:55

“A verdade é que nós, brasileiros, precisamos defender uma mudança drástica”

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF. Foto: Marcello Casal Jr.

É imprescindível rever o funcionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) – tanto na forma de nomeação dos ministros quanto na necessidade de estabelecer um prazo determinado de mandato. Os recentes acontecimentos que envolvem o Supremo tornam latente a necessidade de reformulações a fim de preservar a democracia brasileira, a real defesa da constituição brasileira e a harmonia entre os poderes.

Digo isso à luz de exemplos nas principais democracias europeias, como a Alemanha e a França, com um modelo que prevê mandato para ministros que ocupam posições na Suprema Corte equivalente ao nosso STF. Até mesmo os Estados Unidos – que nos serviu como modelo para a atual configuração – já consideram realizar mudanças significativas.

Um ponto em debate é para que haja mandatos temporários para os ministros e seja estabelecido um código de ética regulado por lei. Ou seja, atualmente a Constituição norte-americana prevê que juízes possam exercer o cargo até o fim da vida (literalmente) desde que não tenha problemas de saúde ou mental. Salvo contrário cabe ao próprio magistrado fazer uma autorregulação do seu trabalho.

Há diversos pontos em comum no formato do Brasil e dos Estados Unidos. A indicação ao cargo, por exemplo, é feita pelo presidente da República mediante aprovação do Senado. O processo de impeachment (embora nunca tenha ocorrido no Brasil) também é previsto por lá. A diferença é quanto ao tempo de permanência no cargo – no Brasil, a aposentadoria é obrigatória aos 75 anos.

As nuances colocam em xeque se o modelo replicado no Brasil é o mais adequado. Um ponto importante para observamos é o princípio da vitaliciedade implantado no Brasil na Constituição de 1988 adotada na Suprema Corte dos Estados Unidos a fim de garantir autonomia aos magistrados. O objetivo central era sobretudo impedir que magistrados fossem removidos dos cargos por decisões autocráticas.

A vitaliciedade, ou seja, a garantia de exercer o cargo até aos 75 anos, no caso do Brasil, faz com que, de certa forma, os ministros do STF fiquem confortáveis para se posicionar publicamente sobre casos que julgam – o que é, no mínimo, questionável.

Outro questionamento que faço é se a legislação fosse mais restrita quanto a essas manifestações: se os mandatos fossem com prazo determinado e se o impeachment fosse realmente usado quando necessário, será que não seria diferente o nosso Supremo? Não tenho dúvidas dessa resposta.

Ao passo que na Europa a realidade é bem diferente. Os ministros da Suprema Corte na Itália, França, Alemanha, Espanha e Portugal, possuem mandato com tempo limitado de 9 a 12 anos. Inclusive, no modelo francês, normalmente há renovação de um terço dos ministros a cada três anos. É justamente o que se propõe adotar no Brasil com propostas de emenda à Constituição (PECs) em tramitação no Congresso com previsão de mandatos de 8, 10 e 15 anos.

Outro ponto relevante que devemos discutir é a forma de nomeação do ministro do STF. A Alemanha restringe nomes indicados que não podem pertencer ao Parlamento federal, conselho federal ou governo federal. Se essa regra já estivesse valendo, considerando a composição atual do STF, não estariam atuando como ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, André Mendonça e Flávio Dino.

Na Espanha a forma de nomeação é dividida. As indicações são feitas pelo Parlamento e por um conselho de juristas. Há um rodízio para a nomeação entre presidente da República, presidente do Senado e presidente da Assembleia Nacional – o Congresso espanhol. Portugal estabelece que os ministros devem ser eleitos pelo Legislativo e pelo Judiciário. Já a Constituição da Itália divide o poder de nomeação entre o presidente da República, o Parlamento italiano e a Suprema Corte de Cassação (algo como o STJ).

E neste ponto é que salta aos olhos a diferença das Supremas Cortes europeias para o modelo norte-americano, que inspirou o sistema adotado pelo Brasil. A começar pela nomeação que se dá de forma mais democrática e participativa com o poder descentralizado de escolha e, insisto, com prazo de validade dentro da Suprema Corte.

A verdade é que nós, brasileiros, precisamos defender uma mudança drástica na forma de ingresso de ministros no STF, a mais alta corte do país. Apenas assim poderemos assegurar a escolha de ministros para o Supremo mais transparente, criteriosa, justa, democrática, alinhada às necessidades contemporâneas e não permitindo a permanência eterna de soberanos de toga. Não podemos esquecer de Rui Barbosa que foi certeiro em seus dizeres: “A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.

 

 

 

 

Por Fabio Oliveira é deputado estadual no Paraná e especialista em Gestão Pública.

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