A Venezuela foi ficando assim. Nós também não éramos assim como estamos ficando. Todas as semelhanças não são meras coincidências. Escreve Percival Puggina.
07/08/2024 11:25
“E viva a democracia!”
Escrevi, outro dia, que a extrema esquerda é a que importa observar e entender porque é a que manda. Manda no dinheiro do Tesouro, manda nos sindicatos, manda nas universidades, manda no STF e no TSE, manda no vasto mundo da Cultura e na cadeia “produtiva” da Educação, manda nos movimentos sociais, manda em toda a estrutura de poder dos identitarismos companheiros e camaradas (os demais que se danem).
Embora essa máquina inclua diferentes níveis de preparo intelectual para a política, há nele um grupo pensante que deve estar muito preocupado com os eventos na Venezuela. Lula não faz parte desse grupo. Ele, como se sabe, é o tagarela da turma. Em suas peregrinações sobre os palcos, diz muita bobagem das quais só se salva graças ao beneplácito pago com recursos públicos e fatias de poder.
Ocupo-me, aqui, do que pensa o setor pensante da extrema esquerda brasileira. Já se tornou evidente a preocupação causada nesse círculo pelos acontecimentos da Venezuela. Maduro desmoraliza quem tenha investido em traçar sobre sua inequívoca figura de ditador a imagem de um democrata tosco e sem meias palavras. Ou seja: em pleno naufrágio moral da ditadura bolivariana, a extrema esquerda brasileira se jogou para dentro do barco.
Para piorar o quadro, a cada dia se acumulam as semelhanças entre os acontecimentos de lá e os daqui. Frases proferidas na Venezuela soam como as ditas no Brasil. É desnecessário traduzi-las porque temos as mesmas queixas. Até os números apontam convergências. São iguais as ocultações e os silêncios, as censuras, as multidões presas e o tratamento dispensado à oposição. Quase se poderia dizer, em linguagem popular, “cara do Brasil, focinho da Venezuela”. São tantas as semelhanças que as diferenças, embora reais, perdem relevo.
No entanto, existem diferenças. A Venezuela já conta 25 anos sob uma ditadura que imitou a experiência cubana rosnando para os Estados Unidos e se abraçando à extrema esquerda internacional para receber apoio financeiro. O país não era assim; foi ficando assim, aos poucos. No final dos anos 80, era o país livre e próspero que conheci durante um colóquio proporcionado pelo Copei (partido social cristão). Uma década mais tarde, com Hugo Chávez, a liberdade foi sendo suprimida gradualmente, a exemplo do que está acontecendo entre nós.
Aqui, a esquerdização iniciou quase simultaneamente, com FHC I e II, transitando para a extrema esquerda a partir do governo Lula I, num processo crescente que não sofreu interrupção nem mesmo durante o governo Bolsonaro. A trava aplicada à mudança de direção e que preservou o poder de mando da extrema esquerda recebeu o nome jurídico de “função contramajoritária das supremas cortes”. Foi ela que se interpôs e travou a aplicação do programa de governo aprovado nas urnas de 2018. E viva a democracia!
Lembrem-se: a Venezuela não era assim; ela foi ficando assim. Nós também não éramos assim como estamos ficando. Todas as semelhanças não são meras coincidências.
Por Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.