Opinião – A alma humana em um mundo de máquinas

Algoritmos estão sendo empregados para tomar decisões que impactam diretamente a vida das pessoas, mas como podemos garantir que essas decisões sejam justas e éticas? Escreve Kevin Leyser.

14/08/2024 06:46

“Uma IA pode desenvolver consciência?”

Foto: Alexandra Koch/Pixabay

Vivemos em uma era onde a Inteligência Artificial (IA) transcende a ficção científica e se estabelece como uma presença constante em nossas vidas. Assistentes virtuais, algoritmos de recomendação e sistemas autônomos estão transformando a maneira como interagimos com o mundo. No entanto, essa revolução tecnológica traz à tona questões filosóficas profundas que nos desafiam a reconsiderar o que significa ser humano.

Historicamente, a filosofia tem se debruçado em questões essenciais sobre a existência humana e a natureza do conhecimento. Agora, com a ascensão da IA, novas perguntas emergem: em um mundo onde máquinas podem replicar e até superar habilidades cognitivas humanas, o que define a humanidade?

Uma IA pode desenvolver consciência? E, se sim, quais implicações éticas e morais surgem?

A consciência artificial: uma fronteira ética

Uma das questões filosóficas mais intrigantes em tempos de IA é a possibilidade da consciência artificial. Até agora, a IA tem se mostrado excepcional em tarefas que envolvem reconhecimento de padrões, aprendizado e tomada de decisões. No entanto, como argumenta o filósofo John Searle, em seu experimento mental do “Quarto Chinês”, mesmo que uma máquina seja capaz de manipular símbolos de maneira que simule compreensão, isso não implica que ela tenha consciência ou entendimento dos significados.

Se, teoricamente, chegarmos ao ponto de criar uma IA consciente, as implicações éticas serão imensas. Seria necessário repensar nossa relação com essas entidades, considerando-as mais do que meras ferramentas? O filósofo David Chalmers sugere que, se uma IA possuísse estados mentais semelhantes aos humanos, deveríamos considerar seriamente os direitos dessa IA, expandindo nossa compreensão de moralidade e justiça.

Decisões algorítmicas: um desafio ético

Outro debate crucial envolve as decisões autônomas tomadas por sistemas de IA em áreas como medicina, finanças e até no sistema judiciário.

A IA, ao tomar decisões, baseia-se em dados históricos, o que pode perpetuar vieses se os dados estiverem carregados de desigualdades. Por exemplo, um algoritmo de contratação pode continuar a discriminar minorias se os dados de treinamento refletirem tais preconceitos. Shannon Vallor, filósofa da tecnologia, destaca a necessidade de desenvolver “virtudes tecnomorais”, nas quais desenvolvedores e usuários de IA estejam cientes dos impactos sociais e éticos de suas criações.

O propósito humano em um mundo automatizado

Com a IA assumindo tarefas tradicionalmente humanas, surge a preocupação sobre a perda de propósito e significado na vida de muitos trabalhadores. O filósofo Martin Heidegger, em seu ensaio “A Questão da Técnica”, analisou como a tecnologia transforma tudo em recursos, uma crítica que se aplica à era digital atual. Redes sociais e inteligência artificial tratam dados e identidades como commodities, moldando nossas percepções de maneira quase imperceptível. Heidegger nos desafia a refletir sobre nossa relação com essa tecnologia: estamos cientes de sua influência ou permitimos que ela limite nossa compreensão do mundo e de nós mesmos?

A interação entre filosofia e inteligência artificial nos oferece uma oportunidade única para repensar conceitos fundamentais sobre o ser humano, a moralidade e a justiça. A IA, criada por humanos, paradoxalmente nos obriga a confrontar questões antigas sobre nossa própria existência de maneiras novas e urgentes.

Neste contexto, a filosofia se torna não apenas relevante, mas essencial, guiando-nos na construção de um futuro onde o humano e o tecnológico coexistem de forma ética e consciente.

 

 

 

Por Prof. Dr. Kevin D. S. Leyser é coordenador do curso de Filosofia da UNIASSELVI.  Graduado em filosofia, psicologia e teologia. Professor no ensino superior e psicoterapeuta há 19 anos. Seus interesses de pesquisa incluem pós humanismo e educação, e a relação animal-humano-tecnologia.
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