Opinião – Bebidas adoçadas: imposto maior não reduzirá consumo

Se na formulação de políticas públicas não pudermos ser criativos, republicanos e modernos, sejamos ao menos racionais. Escreve Luiz Eduardo Rodrigues de Carvalho.

17/08/2024 06:13

“Ajustes positivos no padrão alimentar precisam vir através da educação, não pela repressão porque é inútil”

Foto: Antonio Costa

A edição mais recente da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE) evidencia que elevar tributos ou impor proibições, contra bebidas adoçadas, não performa para reduzir o consumo de açúcar.

Bebidas adoçadas industrializadas serão, imediatamente, substituídas por bebidas adoçadas caseiras ou artesanais.

Isto é factual. Basta examinar como se dá o consumo do ingrediente nas regiões rurais, distantes dos supermercados e padarias.

Biscoitos industrializados têm participação relativa maior na ingestão calórica nas cidades. Bebidas lácteas, bolos, tortas e chocolates são consumidos em dobro; o consumo de sorvetes é cinco vezes maior no ambiente urbano.

Já se examinarmos o açúcar enquanto ingrediente culinário, que surpresa, o consumo na área rural é 40% maior.

Ora, se atingidos pela mega tributação, consumidores com acesso reprimido aos industrializados terminarão com a mesma ingestão de açúcar, porém a partir de bebidas e sobremesas caseiras. Ficará um açúcar pelo outro.

Na ausência do néctar em caixinha e refrigerantes em latinhas, veremos jarras de limonada, cajuína, aluá de abacaxi, laranjada, gengibirra, mate gelado, sucos de caju, goiaba, manga, copões de açaí saturados de lipídeos, bebidas sempre contendo açúcar.

Beber água de coco, industrializada ou não, tampouco refresca o problema, pois 6% do açúcar sempre estará presente. Ou seja, a água de coco contém mais açúcar que muitos dos pós para refresco e refrigerantes.

Sim, os refrigerantes precisam ser desaconselhados. A redução de açúcar precisa ser recomendada. Mas não proibir, super tributar ou multar – essas soluções fáceis frustrarão todas as expectativas.

A redução do consumo de açúcar, convenha-se, já está espontaneamente em curso, resultado de transformações culturais autônomas, pela via da educação, sem nutrifascismo, opressão ou castigos financeiros sobre os mais pobres.

A transformação tem de vir, e virá, por iniciativa espontânea do próprio público: e já está em curso.

Medidas e políticas de governo prosseguirão inúteis e dolorosas, se repressivas, preconceituosas e preguiçosas, se nesse retrógrado e obsoleto formato de tributação seletiva, de multas, proibições ou repressões ao consumo e se por meio de terrorismo nutricional ou de guias ministeriais burocráticos, prolixos, com surreais recomendações de cardápios longe do alcance financeiro do brasileiro.

Se na formulação de políticas públicas não pudermos ser criativos, republicanos e modernos, sejamos ao menos racionais e usemos a POF de forma intelectualmente honesta, sem oportunismos tributários, ativismos patrocinados, proselitismo pseudo acadêmico, e sem abraçarmos conclusões simplórias ou miseravelmente ideológicas.

 

 

 

Por Luiz Eduardo Rodrigues de Carvalho é formado em engenharia de alimentos, mestre em tecnologia de alimentos, doutor em saúde pública e trabalha como professor adjunto.

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