Alguém poderia dizer que não importam os motivos, apenas os resultados. O problema é quando os motivos destorcem os resultados. Escreve Diogo Schelp.
23/08/2024 05:54
“O problema é quando os motivos destorcem os resultados”
Motivos não faltariam a Arthur Lira. Os últimos dias foram cheios de argumentos novos para quem defende que é preciso impor limites ao poder dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No centro desses argumentos está o ministro Alexandre de Moraes, com sua atuação nos inquéritos das fake news e das milícias digitais e seu histórico de mão pesada quando comandou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), durante a campanha presidencial de 2022. Os mais recentes embates de Moraes com a rede social X são apenas uma parte desses argumentos. A outra diz respeito às mensagens de WhatsApp, entre seus assessores, reveladas na semana passada pelo jornal Folha de S.Paulo, mostrando um voluntarismo muito grande do ministro em impor restrições contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não quando provocado, não na posição inerte de um juiz, mas por iniciativa própria.
Mas não é por nada disso que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, está tirando da sua cartola seu arsenal contra o STF. A motivação de Lira é o fato de o STF ter tomado decisões que afetam o seu poder sobre os seus pares ou por decisões que batem de frente com interesses setoriais que ele defende no parlamento.
Ou seja, Arthur Lira está levantando seu arsenal contra o STF não por conta de abusos de poder ou porque este ou aquele ministro extrapolou suas funções. Não, ele faz isso justamente quando o STF atua corretamente, dentro das suas atribuições, como a de exigir o cumprimento da constituição.
Esse é o caso da decisão do STF de suspender o pagamento de emendas parlamentares impositivas enquanto o governo e o parlamento não adotarem transparência total sobre a origem e o destino dos recursos.
A Câmara dos Deputados reagiu cortando um orçamento extra para o Judiciário. Arthur Lira também tirou da gaveta duas propostas que tentam esvaziar o poder dos ministros do STF. Uma é a Proposta de Emenda à Constituição que limita decisões individuais de ministros. A PEC basicamente proíbe que ministros do STF, em decisões monocráticas, suspendam leis ou atos do Executivo ou do Legislativo.
A segunda PEC é a que permitiria ao Congresso suspender efeitos de decisões do STF, se considerarem que elas extrapolam as funções da corte. A primeira proposta, sobre as decisões individuais, teria menor impacto. Mas a segunda efetivamente mudaria o equilíbrio dos poderes em favor do Legislativo.
Arhur Lira, segundo noticiado também pela Folha, ameaça tirar mais uma arma do bolso contra o STF. Trata-se da possibilidade de ele autorizar a abertura de uma CPI para investigar a atuação do Judiciário. É a CPI do Abuso de Autoridade, proposta pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), para investigar atos do TSE e do STF. Arthur Lira sentou em cima, apesar da vontade dos pares.
Agora Lira estaria planejando colocar essa CPI de pé como uma resposta — ou vingança, como queiram — contra um despacho de Flavio Dino, ministro do STF, que determina que Lira explique porque não abriu outra CPI para investigar planos de saúde. O despacho do ministro é uma medida de praxe, pois o STF recebeu uma ação de uma entidade de defesa de usuários de planos de saúde sobre o assunto. Mas Lira trata a questão, a exemplo do caso da suspensão das emendas, como uma afronta direta ao seu poder. Mesmo quando, nesses casos, o STF atua corretamente dentro de suas atribuições.
Alguém poderia dizer que não importam os motivos, apenas os resultados. O problema é quando os motivos destorcem os resultados. Olho aberto.
Por Diogo Schelp, jornalista, foi editor executivo da revista Veja, onde trabalhou durante 18 anos. Fez reportagens em quase duas dezenas de países e é coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto), finalista do Prêmio Jabuti 2017, e “No Teto do Mundo” (Editora Leya).