O uso de instituições eleitorais para fins de perseguição política não só levanta sérias dúvidas, mas também escancara o abuso de poder. Escreve Fabio Oliveira.
26/08/2024 06:00
“a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro também deve ser reavaliada”
As mensagens divulgadas entre membros do gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, escancaram seu papel de polícia, acusador e julgador – tudo ao mesmo tempo, como tem sido denunciado há pelo menos 1 ano.
Fica ainda mais evidente que o ministro investigou, de maneira altamente questionável, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, utilizando relatórios obtidos, de forma encomendada, junto à Justiça Eleitoral no inquérito das fake News, durante e após as eleições de 2022.
O que deveria ser um setor de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi transformado em uma extensão investigativa do gabinete do ministro, comprometendo a imparcialidade e a integridade do processo judicial no Supremo Tribunal Federal (STF).
Quando um vazamento criminoso de mensagens obtidas de forma ilegal expôs supostas conversas entre membros da força-tarefa da Lava Jato, incluindo o então juiz Sergio Moro e Deltan Dallagnol, criaram o que ficou conhecido como “Vaza Jato”.
Em um artigo que escrevi junto com o Deltan Dallagnol, elencamos 8 pontos cruciais que diferem os vazamentos. A Vaza Toga, atribuída a Alexandre de Moraes, é de longe, infinitamente mais grave. Vou te explicar o porquê.
(1) Na Vaza Jato, as mensagens foram obtidas ilegalmente por hackers, sem autenticidade comprovada; enquanto na Vaza Toga as informações foram voluntariamente entregues por um whistleblower, expondo abusos.
(2) Os agentes da Lava Jato sempre defenderam a legalidade de suas ações, enquanto na Vaza Toga, os próprios assessores de Moraes expressaram preocupação com a ilegalidade.
(3) Na Lava Jato, a atuação era conduzida por uma equipe independente de procuradores; já na Vaza Toga, os assessores subordinados a Moraes reconhecem erros sob uma única visão imposta.
(4) O Intercept divulgou a Vaza Jato para enfraquecer a operação, enquanto a Vaza Toga foi exposta pela Folha de S. Paulo, um jornal que historicamente apoiou Moraes.
(5) A Lava Jato foi conduzida pelo Ministério Público, enquanto Moraes atua simultaneamente como polícia, procurador e juiz.
(6) A Lava Jato focava em combater crimes de corrupção, enquanto Moraes é acusado de perseguir cidadãos comuns por críticas ao Supremo, utilizando medidas abusivas.
(7) As decisões da Lava Jato eram revisadas em várias instâncias, enquanto as de Moraes são inapeláveis e muitas vezes contrárias à lei. (8) Por fim, a Vaza Jato não revelou crimes comprovados, enquanto a Vaza Toga traz graves indícios de crimes envolvendo um ministro do STF, tornando este o maior escândalo judicial recente do Brasil.
O conteúdo das mensagens da Vaza Jato levou ao STF declarar a parcialidade de Sergio Moro no julgamento do caso do triplex, resultando na anulação de decisões da Lava Jato.
Em contrapartida, o vazamento das conversas envolvendo Alexandre de Moraes levanta uma questão crucial sobre a coerência do sistema judicial brasileiro. Se o vazamento de mensagens na Lava Jato foi suficiente para anular processos, a mesma lógica deve ser aplicada às ações de Moraes – afinal, a justiça não pode ser seletiva.
É por isso que a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro também deve ser reavaliada à luz das revelações envolvendo Moraes, sobretudo diante de sua atuação no TSE. Em um Estado de Direito, qualquer dúvida razoável sobre a imparcialidade de um julgamento deve ser motivo para revisão das decisões – ou será que teremos dois pesos e duas medidas?
As práticas questionáveis adotadas por Moraes levantam sérios questionamentos sobre a integridade do inquérito das fake news. Se houve manipulação ou abuso de poder em outras áreas, é razoável supor que essas irregularidades possam ter se estendido ao inquérito que impactou significativamente a política brasileira.
A verdade é que a credibilidade do sistema judicial está em jogo. É essencial que todas as investigações e decisões sejam conduzidas com total transparência e respeito às normas legais.
As revelações colocam em xeque as decisões de Alexandre de Moraes. Mais do que isso, o vazamento das mensagens coloca um grande ponto de interrogação sobre qual sanção será tomada. Se na Lava Jato houve nulidade de atos processuais por muito menos, o que será feito quanto ao ativismo escancarado?
Certamente o povo brasileiro não fará vista grossa. Atos estão programados para São Paulo e Belo Horizonte, um deles simbolicamente no 7 de setembro, Dia da Independência, com o objetivo de pressionar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a abrir o processo de impeachment contra Alexandre de Moraes.
Essa será a resposta ao que deve ser o maior pedido de impeachment da história do Brasil. Aliás, um abaixo-assinado corre no Congresso com a meta de recolher 1 milhão de assinaturas em uma plataforma online – eu não tenho dúvidas de que o número será superior com o apoio dos brasileiros.
Como disse John Locke, “onde quer que a lei termine, a tirania começa”. Parece que essa lição, já ensinada no século XVII, se aplica tristemente ao Brasil de hoje, onde nossa Constituição vem, diuturnamente, sendo vilipendiada.
Por Fabio Oliveira é deputado estadual pelo Paraná