No Brasil, por muitos anos, vivemos um verdadeiro monopólio no setor de óleo e gás, tendo a Petrobras a predominância de todos os segmentos da cadeia. Escreve Wesley de Almeida.
12/09/2024 05:39
“Essas empresas produzem cerca de 250 mil barris/dia de óleo e gás, segundo dados da ABPIP”
Em texto anterior publicado neste site com o título Da insegurança jurídica à volta do monopólio: um retrato do Brasil, tive a oportunidade de tratar sobre a revisão dos acordos firmados entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a Petrobras, no que tange à abertura de seu parque de refino e do mercado de gás natural. No texto, mencionei a insegurança jurídica gerada com os aditivos aos Termos de Compromisso e Cessação (TCC) firmados anteriormente e como isso refletia no mercado aos olhos dos investidores dispostos a aportar recursos no desenvolvimento dessas duas indústrias no Brasil.
Neste novo artigo, entretanto, gostaria de dar um enfoque especial no mercado de gás e como o Executivo federal demonstra agir de forma idiossincrática quando coloca como diretriz de governo desenvolver esse segmento ao mesmo tempo em que reforça seu aspecto controlador e monopolista ao buscar ter o controle de todos os elos da cadeia do gás natural.
Não é segredo para ninguém, e todos nós sabemos, os efeitos deletérios de um mercado monopolizado. E no Brasil, por muitos anos, vivemos um verdadeiro monopólio no setor de óleo e gás, tendo a Petrobras a predominância de todos os segmentos da cadeia. No entanto, a partir de 2015, diante dos expostos pela Operação Lava Jato e de sua dívida monumental, a petroleira estatal deu início, ainda que de forma muito tímida, a um processo de desinvestimento de ativos não estratégicos.
Este programa de desinvestimento ganhou robustez a partir de 2016 e seguiu até meados de 2021 de forma mais intensa, quando a perspectiva de vitória na eleição de 2022 de um governo com uma nova visão para a estatal se consolidou e pausou os desinvestimentos ora acordados.
Os ativos que foram objeto de desinvestimento pela Petrobras eram, em sua maioria, campos maduros de óleo e gás, localizados em terra (onshore), que, por falta de interesse da estatal em continuar a desenvolver esses ativos, estavam defasados. Com seu foco voltado para o pré-sal, com seus investimentos vultosos e produção superlativa, era certo que a petroleira estatal não tivesse interesse em despender recursos e pessoal em ativos que pouco iriam agregar à sua grande produção em alto-mar.
No entanto, se por um lado a Petrobras não tinha o interesse necessário para continuar desenvolvendo esses ativos, por outro fez surgir uma nova leva de companhias, as chamadas junior oils, empresas independentes de óleo e gás que se mostraram especializadas em desenvolver esses ativos, multiplicando sua produção em pouco tempo.
Atualmente, essas empresas produzem aproximadamente 250 mil barris/dia de óleo e gás, segundo dados da ABPIP, associação que representa o setor, e têm investido cerca de R$ 5 bilhões por ano para elevar a produção desses campos e desenvolver novas áreas adquiridas em leilões realizados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Esses investimentos, além de representarem desenvolvimento nas áreas remotas onde estão localizados esses campos, gerando emprego e renda para a população local, representam também uma maior produção e, consequentemente, maior oferta de molécula de gás natural, sobretudo no Nordeste brasileiro, região que carece de maior desenvolvimento e que, por sorte ou acaso do destino, se encontra a maior parte dos ativos onshore em operação no país, podendo esse insumo energético ser um importante fator para a competitividade de indústrias diversas, levando ao desenvolvimento regional.
Como resultado dessa abertura, o Nordeste é, hoje, o mercado que concentra o maior número de novos fornecedores de gás para as distribuidoras, o que reflete no preço final ao consumidor. Por exemplo, em Alagoas, a redução do preço do Gás Natural Veicular (GNV) foi de 11,2%, ou R$ 0,31 por metro cúbico (m³). Por lá, a fornecedora do insumo para a Algas, a distribuidora local, é a Origem Energia, empresa independente que adquiriu o ativo Polo Alagoas da Petrobras em 2021.
Tendo esse exemplo em vista, assim como vários outros, a própria Petrobras tratou de rever seu modelo comercial e anunciou em maio uma nova política de preços com o objetivo de baratear o gás natural para as distribuidoras e oferecer produtos mais customizados e competitivos no mercado livre. Esta é a importância da ampliação da concorrência em detrimento ao conforto do monopólio.
Portanto, se o governo quer de fato tornar o gás natural a força motriz do desenvolvimento econômico e da geração de emprego e renda, ao invés de buscar reforçar uma guarita de mercado para a estatal, ele deveria buscar incentivar a concorrência entre diversos atores da indústria de gás, deixando que a competitividade ditasse as melhores ofertas e, consequentemente, melhores oportunidades de escolha tanto para as distribuidoras quanto para os grandes consumidores livres.
Deixar a Petrobras focar na exploração e produção em águas profundas, tendo por objetivo a margem equatorial, voltar a pôr em marcha o plano de desinvestimento em ativos terrestres e não estratégicos e buscar simplificar o arcabouço jurídico e regulatório do setor, seguindo o caminho já determinado na Lei 14.134/2021 (Nova Lei do Gás) permitindo que mais entes privados participem de forma competitiva em toda a cadeia, seriam hoje o melhor programa de governo para o setor de gás, pois de nada adianta bradar programas visando à oferta do insumo se não houver verdadeira condição de competição entre os agentes.
Por Wesley de Almeida é economista.