Opinião – Não foi Campos Neto: juros subiram por culpa da desordem monetária de Lula

Na última reunião do comitê de política monetária (…) os juros foram aumentados pela primeira vez no governo Lula. Escreve J.R. Guzzo.

20/09/2024 17:05

“O Banco Central nunca aumentou os juros desde que Lula assumiu o seu cargo”

Roberto Campos Neto (E) será substituído por Gabriel Galípolo no comando do BC a partir de janeiro: mercado está preocupado com compromisso da próxima gestão em relação ao controle da inflação.| Foto: Pedro França/Agência Senado

Desde que assumiu a presidência, e até muito pouco tempo atrás, Lula e os seus puxadores de saco mais excitados vêm repetindo sem parar que o pior problema do Brasil é a taxa de juros – e que o maior culpado pelos problemas da economia brasileira é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. É por causa de uns e do outro, de acordo com as iradas aulas de ciência econômica que Lula nos dá há um ano e meio, que o governo não consegue fazer nada de bom. É por sua culpa que acontece tudo aquilo que está acontecendo de ruim. Não fossem os juros e Campos Neto, a economia do Brasil estaria voando.

Não é nenhuma surpresa. Lula, há 40 anos, não respira sem um judas para culpar pelos desastres causados por sua inépcia, ignorância e, mais do que tudo, uma preguiça terminal. No caso, para juntar a fome com a vontade de comer, escolheu como bode expiatório um servidor público que já estava no governo de Jair Bolsonaro, e que continuou na presidência do Banco Central por força da lei. Lula queria botar o homem na rua, como se fosse um empregado da sua casa. Não deu, é claro, porque seu mandato só vai terminar agora em novembro – mas o presidente da República, num ataque particularmente baixo às regras do jogo, passou todo seu governo pedindo a cabeça de Campos Neto.

O presidente do Banco Central tem dois problemas insuportáveis para Lula. É o único integrante do alto escalão que não foi nomeado por ele. É também o único que está fazendo um bom trabalho neste governo. No oceano de nulidades que ocupam os quase quarenta ministérios de Lula, Campos Neto tornou-se o responsável direto pelo combate bem-sucedido à inflação e a desordem monetária que, se não fosse por sua competência, já teriam mandado o Brasil para a vara de falências. Lula fica doente com essas coisas. A única área do seu governo que dá certo é a única em que ele não pode mexer.

Como de costume, o presidente lidou com a sua contrariedade jogando tudo na mentira. Já que não podia demitir Campos Neto, de um lado, e nem fazer nada de útil em seu governo, de outro, passou a dizer que a taxa de juros do BC era um crime contra os brasileiros mais pobres e um ato de sabotagem contra “o crescimento da economia”. Nunca foi nada disso.

Os juros foram mantidos nos níveis em que estiveram nos últimos dezoito meses para combater a inflação que Lula atiçava com a sua irresponsabilidade perante o gasto público e com a demagogia fundamental dos seus discursos. Na verdade, o estelionato verbal é ainda pior. Durante toda a gestão de Campos Neto, os juros estiveram abaixo dos níveis mais elevados dos governos anteriores do próprio Lula.

O Banco Central nunca aumentou os juros desde que Lula assumiu o seu cargo – ou baixou, ou deixou no nível em que estavam. Mas, agora, o mandato do presidente está acabando, e já há outro escolhido 100% por Lula para ocupar sua cadeira. Acontece o que, então? Na última reunião do comitê de política monetária, e já com o pleno apoio do novo presidente lulista, os juros foram aumentados pela primeira vez no governo Lula. É exatamente o contrário de tudo o que Lula vem pregando ferozmente – mas obviamente ele não deu um pio de protesto. Os juros, a partir de agora, são de sua reponsabilidade. Deixaram de ser um crime “da Faria Lima”. Vão ser uma arma na defesa das causas populares.

 

 

 

Por J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.

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