Opinião – Apostas online e o STF

De um lado alguns defendem a prevalência do Princípio da Livre Iniciativa, e por outro lado, existe a tese de que tal regra não é ilimitada. Escreve Victor Humberto Maizman.

01/10/2024 05:25

“Preocupação é que tal prática vem resultando no endividamento das famílias”

Foto: Joedson Alves/Agência Brasil

Na semana passada foi protocolada junto ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a chamada Lei das Apostas Eletrônicas, sob o argumento de que tais jogos vem causando uma expansão desenfreada da referida prática, gerando um enorme fluxo de estímulo à popularização e participação da sociedade em jogos de apostas online, resultando num  comportamento compulsivo por parte de alguns indivíduos, implicando assim, no aumento do endividamento das famílias brasileiras, principalmente entre aqueles que veem neste tipo de aposta uma forma de solução rápida para suas dificuldades financeiras.

Consta ainda dos argumentos sustentados na referida medida judicial, que a legalização deste tipo de apostas vem contribuindo também com a popularização e participação de crianças e adolescentes, cujo acesso às apostas online se torna ainda mais fácil, já que o principal instrumento utilizado é o celular, mediante acesso às plataformas digitais e aplicativos oferecidos livremente.

Na oportunidade foi noticiado ao STF que  nos moldes das projeções efetivadas por empresas especializadas, os números movimentados pelo setor de apostas online são impactantes.

De acordo com o levantamento econômico que respalda a referida medida judicial, foi movimentado entre R$ 60 e R$ 100 bilhões no período de 2023, quase o equivalente a 1% do Produto Interno Bruto, com um crescimento de 89% ao ano entre o período de 2020 a 2024, concluindo que 7 milhões de brasileiros estão endividados por causa dos referidos jogos, colaborando negativamente para o quadro de aumento do endividamento das famílias brasileiras.

A preocupação foi noticiada pela Confederação Nacional do Comércio ao alertar que tal prática vem resultando no endividamento das famílias, aliado ao comprometimento significativo de seu orçamento, vindo a ocasionar a diminuição do consumo de bens e serviços essenciais, afetando diretamente o desenvolvimento socioeconômico das regiões onde se concentra a população menos favorecida, reduzindo consideravelmente a circulação de renda, e agravando ainda mais a situação da economia local, em especial, o comércio varejista que depende majoritariamente do poder de compra das famílias.

Por certo, independente da previsão de tributação sobre os referidos jogos, as alíquotas previstas não são suficientes à geração de um caráter extrafiscal no intuito de conduzir o indivíduo a um comportamento mais moderado à prática das referidas apostas.

Ao contrário, os estudos demonstram um crescimento exponencial das apostas online que, aliado ao altíssimo investimento deste setor em propaganda e marketing, acabou por gerar um grande estímulo à popularização e participação da sociedade neste tipo de jogo, no qual a grande maioria de apostadores se diz motivada pela falsa impressão de rápido retorno financeiro.

Em síntese, com a legalização dos jogos de apostas online, o STF vai decidir se a lei que regulamentou tal prática está em consonância com os Princípios Constitucionais, em especial com aquele que fomenta o Princípio da Livre Iniciativa, o qual impede em regra a intervenção estatal.

Da mesma forma, está sob debate se os transtornos psicológicos apontados em decorrência do vício das apostas contrariam a regra constitucional que enaltece o Princípio Constitucional a Proteção à Saúde.

Portanto, de um lado alguns defendem a prevalência do Princípio da Livre Iniciativa, sem qualquer intervenção do Estado, e por outro lado, existe a tese de que tal regra não é ilimitada, devendo ser interpretada em conjunto dos demais Princípios previstos na Constituição Federal.

Enfim, a questão é complexa e vai demandar um amplo debate não apenas perante o Supremo Tribunal, mas também perante toda a sociedade.

 

 

 

 

Por Victor Humberto Maizman é advogado e consultor jurídico tributário.

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