A derrota de Lula, do PT e da esquerda em geral nas eleições é mais uma tradução, em números, da realidade mais óbvia da política brasileira. Escreve J.R. Guzzo.
31/10/2024 12:48
“Como chamar de ‘popular’ que não consegue reunir mais de 1.600 pessoas no último comício?”
Um partido político, sobretudo aquele se vê como o único autorizado a receber os votos da classe operária, está realmente na bacia das almas quando chega o dia das eleições para prefeito e a sua maior ambição é ganhar a eleição em Fortaleza. E o resto do Brasil? Uma migalha aqui e ali, entre 5.500 municípios. Nem nas 27 capitais, só nelas, onde deveria estar o eleitorado “progressista” e mais esclarecido? Enfim: nem no Nordeste, onde o tal partido explora há 40 anos a miséria para arrecadar voto? Nem e nem. Tudo o que o PT de Lula conseguiu, nas eleições encerradas no domingo, foi ganhar em uma única capital, Fortaleza – e, assim mesmo, por miseráveis 0,7% de diferença. Foi a pior derrota que o partido já teve em toda a sua história.
A calamidade fica ainda mais chocante levando-se em conta que o PT disputou essa eleição com Lula na Presidência da República e com o Tesouro Nacional sendo saqueado o tempo todo para financiar os candidatos do partido e seus aliados. Igualmente prodigioso é o fato de que o PT, que governa o país, nem sequer lançou candidato na maior cidade do país, São Paulo – nem na segunda, o Rio de Janeiro. Como seria possível uma coisa dessas? O partido que manda e tem o presidente não consegue ter candidato no maior colégio eleitoral do Brasil, com 9,5 milhões de eleitores? Está fazendo o que na política, então?
A experiência mostra que as misérias da vida raramente deixam de vir em companhia de outras, e não foi diferente desta vez. Em São Paulo, além de não ter candidato, Lula e o PT – e acima de tudo Lula – foram capazes de escolher possivelmente o pior candidato existente do Oiapoque ao Chuí para dar o seu apoio. Justo na capital do capitalismo brasileiro, acharam uma boa ideia jogar tudo num cidadão que é contra a propriedade privada. É também, invasor de terreno dos outros, aliado dos terroristas do Hamas e você imagina o que mais. Socaram R$ 80 milhões na sua campanha – dez vezes mais que na última tentativa eleitoral do candidato. Só por um milagre chegou ao segundo turno, e aí levou uma surra com 1 milhão de votos de diferença.
Lula, como faz invariavelmente nas horas de dificuldade, inventou uma mentira para abandonar seus aliados à própria sorte. Depois de dizer, aos berros, que a eleição seria entre “eu e o Bolsonaro”, viu que a ficção pela qual ele se exibe como líder mundial de massas era apenas isso, mais uma vez – uma ficção. Esqueceu-se bem depressa do que disse e sumiu do mapa para continuar seu programa de volta ao mundo, com a mulher e com o dinheiro do Erário. Desta vez, com o apoio maciço do seu departamento de propaganda na mídia, espalhou a fantasia de que tinha “preferido” não “participar da campanha”. Bobagem. Lula não “preferiu” nada. Ficou com medo de perder e fugiu da raia.
A derrota de Lula, do PT e da esquerda em geral nas eleições municipais é mais uma tradução, em números, da realidade mais óbvia da política brasileira – e talvez a mais detestada pela maioria dos comunicadores. Que força política poderia ter um presidente da República que não consegue sair à rua do país que preside, nem para caminhar 100 metros sozinho? Como chamar de “popular” alguém que está na Presidência, com os trilhões de reais da máquina pública a seu dispor, e não consegue reunir mais de 1.600 pessoas no último comício que tentou fazer? Não consegue ganhar mais nem em São Bernardo, o seu berço sagrado.
Lula, o PT e a esquerda desistiram de fazer política através dos meios democráticos. Não se interessam mais em fazer força para ganhar eleição. Largaram o trabalho. Entregaram a sua sorte, o seu bem-estar e o seu futuro ao ministro Alexandre de Moraes e aos sub-Moraes do STF. Convenceram a si próprios que eles vão sempre resolver sua vida. Resolveu em 2022, mas as eleições de agora estão mostrando que pode não resolver sempre.
Por J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.