A falta de gravações pode dificultar a produção de provas essenciais para investigações, e reduzir a proteção do policial. Escreve Aurmácio Carvalho.
26/12/2024 05:48
“Pesquisa mostra que população tem mais medo que confiança na Polícia”
O Vice Presidente da República- Pedro Aleixo, no governo do General Costa e Silva (1969- Ditadura), que foi impedido de assumir o cargo com a doença e afastamento do titular, perguntado pela imprensa sobre a atividade policial na segurança do cidadão, respondeu que “ tinha medo do guarda da esquina”- na época, a dupla Cosme e Damião, que patrulhavam juntos e a pé, a área urbana das cidades. Esse mesmo pensamento e percepção foi reproduzido nos dias atuais em pesquisa divulgada pelo Instituto Data Folha: “ A polícia causa mais medo do que confiança em 51% dos brasileiros com 16 anos ou mais, segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada neste domingo (22/12- G1).
Entre os homens, os que temem a polícia são 56%, ante 45% entre mulheres. No âmbito racial, o temor a polícia é de 59% entre negros e 45% entre brancos. A violência nas abordagens policiais aos cidadãos não é novidade no Brasil. Parcelas pequenas das forças policiais, principalmente da PM dos Estados, agridem sem necessidade o cidadão, principalmente se for negro ou favelado, espancam mesmo algemado e dominado e até, matam friamente (execução), como estamos vendo diariamente na mídia. “resistência à prisão”, agressão à autoridade”, “atirou no policial” (e, em geral, verdade ou não, aparece uma arma “plantada”, em mãos de um cidadão que ia ou voltava do trabalho e nunca teve passagem policial. “ Câmara corporal não funcionou” (para as policias que a usam). Ou seja, a certeza da impunidade e o espírito de corpo, acreditam, vai prevalecer. 60% dos inquéritos das Corregedorias não são concluídos, ou resultam em advertência verbal, ou seja, licença para continuar agindo com violência. É um tiro no pé que a Polícia dá nela mesma, pois a lama atinge todos.
O policial é o Estado armado, autorizado a fazer uso da arma, até em situações extremas de autodefesa própria ou de terceiros e vítimas; mas, não é nenhum “rango”. São Paulo, por ser o maior Estado, é um exemplo nada recomendável nesse assunto, em agosto um cidadão já rendido foi morto com um tiro na cabeça; policiais militares entram num velório de um jovem morto pela polícia e agridem sua mãe e irmãos; um estudante de medicina é morto com um tiro à queima roupa; um jovem de 26 anos foi executado por um policial em frente a um mercado; um jovem é jogado de cima de uma ponte num rio por um policial, uma idosa agredida por policiais; são alguns exemplos que mostram o despreparo do agente da lei ou, a certeza da impunidade. Esse é um quadro nacional.
Sem contar a famosa “bala perdida” que tem endereço certo, cidadãos comuns e crianças. A autoridade policial e até o governador repudiam tais atos, mas, vão agir realmente, punindo os culpados? Sobre esses episódios e as imagens de outro caso que mostram um PM atirando pelas costas e matando um jovem, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse que o policial militar que “atira pelas costas” ou “chega ao absurdo de jogar uma pessoa da ponte” não está à altura de usar farda” É esperar pra ver. o Ouvidor das polícias, Cláudio Silva, classificou o episódio de “algo muito grave e sem qualquer fundamento, nenhuma legalidade. É mais um daqueles e daquelas que ainda acham que a injustiça vai prevalecer. Há uma crença hoje na polícia de São Paulo de que os policiais poderão praticar qualquer atrocidade ou anormalidade por serem policiais e isso vai ficar por isso mesmo.
A gente precisa mudar essa perspectiva porque senão os casos graves vão continuar ocorrendo e, talvez, a tendência seja até piorar”, disse. Como ex-Ouvidor Geral de Policia de Mato Grosso, por dois mandatos, compreendo esse desabafo. Mato Grosso tem excelentes policiais, mas, como em todo o Brasil, há também as frutas podres, que contaminam toda a cesta (PM. PJC e Bombeiros). Como resolver? Acompanhar a ação policial, investigar as denúncias e punir.
O MP, as Ouvidorias e as Corregedorias têm papel importante nesse campo. O policial é também um cidadão, deve ser olhado, cuidado, capacitado, remunerado a altura mas, não está acima da lei e dos estatutos, o cidadão que ele “protege”, paga seu salário. As Câmeras corporais são um equipamento que ajudam o bom policial, inclusive em acusações falsas de abuso.
O ministro Rogério Schietti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), disse, em reportagem do Fantástico, que “à medida em que você tem um equipamento que retira qualquer dose de subjetivismo nessa prova, você torna o processo criminal muito mais eficiente, muito mais seguro, evitando o erro judiciário, evitando que pessoas inocentes sejam condenadas. E, portanto, também punindo quem deve ser condenado com maior eficiência”. Sem o uso das câmeras corporais, dizem os especialistas, aumenta-se o risco de uso indiscriminado da força, sem controle adequado. Além disso, a falta de gravações pode dificultar a produção de provas essenciais para investigações, e reduzir a proteção do policial, que pode se ver em situações de risco ou ter sua conduta questionada sem o respaldo das imagens. Entre janeiro e setembro de 2024, o Estado de São Paulo registrou 496 mortes resultantes de intervenções policiais, segundo dados da própria Secretaria de Segurança Pública (SSP). Esse número representa um aumento de 75% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Na capital paulista, o total de vítimas foi de 130. Só na Baixada Santista foram registradas 109 mortes: uma média de uma vítima a cada três dias.
De acordo com o relatório “Pele alvo: Mortes que revelam um padrão”, da Rede de Observatórios da Segurança, em 2023, no Brasil inteiro, agentes de segurança do estado mataram 4.025 pessoas, sendo 2.782 delas negras. Os dados também indicam que a polícia matou 243 crianças e adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos. Da mesma forma, dos 127 policiais assassinados em 2023, 69,7% eram negros, 96% do sexo masculino e mais da metade (51,5%) tinha de 35 a 49 anos. A boa notícia é que a perda de agentes de estado no ano passado caiu 18,1%, mas houve alta de 26,2% nos casos de suicídios de policiais, com 118 registros (assunto sério que merece atenção do Estado). Segurança Pública, em resumo, é ou deveria ser política de Estado, não, de governos de plantão. Bandido “bom” não é bandido “morto”; mas, preso, julgado com direito de defesa e punido. Assim como, também, policial “bom” não é policial “rambo” ou “justiceiro”, nem “herói morto ” mas, policial capacitado, cumpridor das leis, cidadão; para poder merecer a confiança e o apoio da população; não, o seu repúdio. O policial não merece morrer em operação, nem também, está livre para matar. A lei é o seu limite (também para o cidadão- art.5. da CF). O verdadeiro policial é o retrato do Estado que representa e, parece, que o Brasil não está se saindo bem nessa foto.
Por Auremácio Carvalho é advogado