Opinião – O Tombo

Devo ter proporcionado uma enorme alegria para os funcionários. No almoço, eles por certo comentaram o fato e riram com gosto do espalhafatoso tombo do patrão. Escreve Renato de Paiva Pereira.

29/12/2024 05:38

“Alguns fingiram que não viram, outros fizeram cara de piedade”

Ilustrativa.

Você já caiu de quatro na frente de um monte de gente?  Pois eu já. Foi um dia destes. Vou te contar que o trem é feio!

Manhã clara, céu bonito, muito azul e sem nuvens.Temperatura boa, incomum por essas latitudes. Daqueles dias que você levanta assobiando um acorde qualquer e levemente vai trabalhar, até que de repente uma ponta de tapete ali no caminho teima em estragar o bom humor.

Estava entrando na minha empresa, que no caso é um hotel, o que agrava muito o episódio, porque aumenta o número de testemunhas.  Na recepção estavam os mensageiros, recepcionistas, garçons e um monte de hóspedes, quando o fato aconteceu.

Como a pedra do poeta Drumont, no meio do caminho tinha um tapete, tinha um tapete no meio do caminho. O utensílio que sempre estivera ali, desempenhando humildemente sua obrigação subalterna, nunca havia causado nenhum contratempo até que resolveu me expor ao ridículo. Ridículo, sim!  Acredite. Uma das coisas mais vexatórias que existem é um cara esparramar no chão na frente de todo mundo.

Alguns fingiram que não viram, outros fizeram cara de piedade, diversos não conseguindo conter o riso, correram pro banheiro. Isto eu imagino que aconteceu porque não olhei pra cara de ninguém.

Foi assim: tem uma porta automática na entrada da empresa, atrás dela dois mensageiros de cada lado fazem um corredor. No fundo, solícitos estão os atentos recepcionistas e espalhados pelo rol diversos hóspedes.  No centro, um tapete que arrebitou levemente um canto, onde tropecei e sai “catando cavaco” saguão adentro, terminando de quatro já quase no meio da recepção.

Para agravar a grotesca situação, os óculos que estavam em cima da cabeça, com o impacto, pularam uns dois metros pra frente. Em vez de levantar primeiro, recuperar o equilíbrio e pegar o objeto depois, não! Fui de quatro, como uma criança gatinhando, atrás dele, potencializando o ridículo da cena.

Agora, passado o acontecido, eu penso que devia ter levantado e alertado os funcionários: “Gente, esse tapete ainda vai derrubar uma pessoa”. Mas acho que foi melhor ter ficado quieto porque algum espirituoso poderia ter retrucado: “outra, o Sr. quer dizer, né?”.

Também poderia dar uma risada forçada fingindo que tinha achado graça: “que tombo hein gente?  Se não sou esperto, poderia ter me machucado!”.

Mas ocorreu-me somente agarrar os óculos e voltar ligeiro, como se tivesse esquecido alguma coisa. Dei um espaço de mais ou menos cinco minutos, fingindo procurar alguma coisa no carro e entrei na empresa pela porta dos fundos.

Devo ter proporcionado uma enorme alegria para os funcionários. No almoço, eles por certo comentaram o fato e riram com gosto do espalhafatoso tombo do patrão.  Provavelmente olharam, às gargalhadas, na gravação das câmeras de segurança, a cena hilária do velho que voltou a gatinhar.

 

 

 

 

Por Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor.

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