A política sempre teve seus elementos teatrais. Agora é reality show. O caso Virginia não é apenas um episódio curioso. Escreve Felipe Rodrigues.
15/05/2025 07:31
“É um alerta sobre como nossas instituições estão sendo redesenhadas pela lógica digital”

Virginia Fonseca, influenciadora digital que depôs na CPI das Bets. (Foto: reprodução/TV Senado)
O que aconteceu na CPI das Bets esta semana diz muito sobre como a política brasileira está mudando. O depoimento de Virginia Fonseca não foi apenas uma influenciadora respondendo perguntas sobre apostas online – foi um retrato perfeito de como os espaços políticos estão se transformando em palcos para performances.
Vamos ser sinceros: uma CPI deveria investigar problemas sérios e buscar soluções. Mas o que se vê já há bastante tempo? As comissões parlamentares de inquérito servirem apenas jogar luz sobre um tema, chamar a atenção da opinião pública para isso e gerar cortes para as redes. Resultado mesmo é raríssimo. Diante de Virginia, o que se viu foi um senador pedindo selfie, parlamentares posando sorridentes para fotos e um ambiente mais parecido com um encontro de fãs do que uma investigação séria dedicada a encontrar inconsistências nas declarações e documentos.
Não se trata apenas de falhas isoladas de comportamento. O que presenciamos foi uma troca clara: Virginia emprestou seus milhões de seguidores aos políticos, enquanto eles lhe deram um selo de “relevância institucional”. A transmissão pelo YouTube alcançou um público enorme e foi o assunto mais comentado do dia nas redes sociais. No Google Trends, a busca por Virginia no dia de ontem, foi dos constantes 25 pontos ao longo da semana para os 96 pontos, praticamente atingindo o interesse máximo.
É fascinante como a lógica das redes sociais invadiu o Congresso Nacional. Viralizações, cortes e momentos “memáveis” se tornaram mais importantes que o debate sobre os problemas reais causados pelas apostas online. A atenção (e não é de agora) virou moeda mais valiosa que a informação.
Virginia entendeu perfeitamente o jogo. Do copo personalizado às respostas assertivas, ela demonstrou que sabia estar em um palco onde tudo comunica. Enquanto isso, alguns senadores pareciam mais preocupados em aparecer para o público dela do que em conduzir uma investigação.
Os números não mentem: debates técnicos sobre regulação de jogos raramente ultrapassam círculos especializados, mas a “CPI da Virginia” gerou milhões de interações. Políticos que se destacaram na sessão viram seus perfis bombarem em questão de horas. Ambos estouraram suas bolhas: senadores se tornaram mais falados e notados nas redes sociais por milhões, Virginia se tornou conhecida, através da mídia tradicional, por quem nunca tinha ouvido falar nela.
Interessante notar, porém, que nem todo engajamento se converte em capital social positivo. Virginia perdeu 300 mil seguidores no dia da CPI, o que indica que parte de sua base não aprovou sua performance no Congresso, sua associação com a política ou o próprio apoio dela às bets.
Estamos presenciando a coexistência de dois modelos: um mais tradicional e institucional, voltado ao processo legislativo, e outro mais focado na presença digital e no engajamento. O caso Virginia exemplifica perfeitamente esse movimento de parlamentares rumo ao segundo modelo, de atenção, intimidade e presença digital.
A influência nas redes sociais demonstra cada vez mais capacidade de determinar os rumos de debates nacionais. O poder político hoje não se mede apenas pela articulação no Congresso ou pela efetividade legislativa, mas também pela capacidade de mobilizar a opinião pública online. Como demonstrado pelo episódio da CPI, essa capacidade de mobilização digital se traduz em poder político real. Os parlamentares que interagiram com Virginia entenderam que, na lógica atual, o engajamento pode ser tão valioso quanto a produção legislativa. A fronteira entre “parlamentar influente” e “parlamentar influencer” está cada vez mais tênue.
A política sempre teve seus elementos teatrais. Agora é reality show. O caso Virginia não é apenas um episódio curioso. É um alerta sobre como nossas instituições estão sendo redesenhadas pela lógica digital. Se os parlamentares viram influenciadores e impactam a dinâmica da representação, precisamos repensar: o engajamento é e mais importante que a eficiência legislativa? Como conciliar a inevitável dimensão do espetáculo com a necessidade de debates sérios?
Não se trata de condenar moralmente essa transformação. Virginia volta para casa com uma experiência inédita e exposição midiática que equivaleria a muitos milhões de reais (apesar de ter 300 mil seguidores a menos), senadores ganharam visibilidade ampliada e seguidores, e o espetáculo foi entregue. A CPI das bets, nesse dia, virou a CPI das “bests”.
Por Felipe Rodrigues é jornalista, cientista político, com pós-graduação em gestão de crises e mestrando em Ciência Política, com foco em democracia digital.