Sem discernimento, nos tornamos presas fáceis; mas com olhos espirituais abertos, não há propaganda que nos engane, nem Balaão que nos seduza. Escreve Isaías Lobão.
01/07/2025 12:25
“O cristão fiel não se curva a Faraó por um punhado de maná estatal.”

Grupos de fiéis participam da Marcha para Jesus, no Centro do Rio, em 13 de agosto de 2022: PT está de olho nesta parcela do eleitorado. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Em reportagem recente de Gabriel Sestrem intitulada Devota de Krishna e pastor que defendeu Judas: os preletores do curso do PT sobre evangélicos, foi noticiado que o PT contratou teólogos e pastores para tentar entender o pensamento evangélico.
A notícia, embora não surpreenda, revela o desespero do PT para conquistar um eleitorado que insiste em resistir ao canto da sereia progressista. Mas para entender o que está realmente em jogo, é preciso recorrer às Escrituras. E nelas encontramos um personagem que, infelizmente, é bastante familiar: Balaão.
O nome Balaão (em hebraico, Bilʿām – בִּלְעָם) carrega um peso revelador: “devorador do povo” ou “destruidor do povo”, a partir das raízes balʿa (“devorar”, “engolir”) e ʿam (“povo”). Uma designação inquietante para um personagem bíblico que, embora profeta, cedeu à ganância e tentou amaldiçoar o povo de Deus por encomenda. Mesmo advertido por uma jumenta — que teve mais discernimento que ele —, Balaão persistiu em seu caminho, sendo lembrado, para sempre, nas Escrituras como símbolo da corrupção religiosa, da venda da consciência e da instrumentalização da fé para fins políticos.
Após ter sido impedido de amaldiçoar Israel com palavras (Números 22–24), ele ainda ensinou Balaque a seduzir os israelitas com idolatria e imoralidade sexual, levando o povo à queda espiritual em Baal-Peor (Números 31:16). Seu fim foi trágico: morto à espada pelo exército de Israel (Josué 13:22).
No Novo Testamento, sua figura é usada como advertência severa contra líderes gananciosos e desviados: “…seguiram o caminho de Balaão, filho de Beor, que amou o prêmio da injustiça.” (2 Pedro 2:15). “…precipitaram-se no erro de Balaão, por causa do lucro.” (Judas 1:11). “Tens aí os que seguem a doutrina de Balaão, o qual ensinava Balaque a lançar tropeços diante dos filhos de Israel…” (Apocalipse 2:14)
Balaão tornou-se, assim, o arquétipo do líder espiritual que negocia com o inimigo, que serve a Deus com os lábios, mas se vende ao poder pelo benefício pessoal.
Hoje, não faltam Balaões. Eles já estão entre nós. Não vêm montados em jumentas, mas chegam por meio de acordos, emendas, convites de gabinete e palcos de eventos “inter-religiosos”. São líderes domesticados pelo sistema, profetas que trocaram o altar pelo palco, o chamado pelo cargo, e a fidelidade bíblica por verbas estatais.
Todos esses hereges mencionados nas recentes investidas políticas para “conquistar os evangélicos” são Balaões modernos, devidamente domesticados. Não precisam ser persuadidos com ouro e prata — um microfone aberto, um projeto de lei e um espaço no conselho de alguma secretaria já bastam. Estão nos púlpitos que abandonaram o evangelho para agradar aos poderosos, e nos seminários onde se recita Karl Marx com mais entusiasmo que Calvino.
Mas, como no caso original, o plano tende a falhar. Balaão pode até tentar amaldiçoar — mas acaba abençoando. Afinal, quem tem um mínimo contato com o Deus vivo, mesmo tropeçando, pode acabar proclamando verdades que escapam ao controle dos manipuladores. E isso, naturalmente, desespera os engenheiros sociais.
Contudo, é preciso estar vigilante. Porque, assim como no passado, quando a primeira investida falha, o inimigo volta com sutileza — e com o mesmo veneno. Balaão não conseguiu amaldiçoar com a boca, então orientou Balaque a corromper Israel pelo coração: enviaram mulheres moabitas, festas pagãs, sacrifícios a falsos deuses — e o povo caiu (cf. Números 25; 31:16). O veneno mudou de frasco, mas o conteúdo era o mesmo.
De fato, não deixa de ser irônico — e um tanto divertido — ver o Partido dos Trabalhadores, bastião da esquerda estatista e da teologia da libertação reciclada, agora tentando compreender o “pensamento evangélico”. Contratam teólogos, consultam pastores, convocam estrategistas. Tudo para entender por que o povo que carrega a Bíblia debaixo do braço insiste em resistir ao canto de sereia do progressismo secular.
Vamos aos fatos. Três observações se impõem — e nenhuma delas é motivo para baixar a guarda.
2. Eles não aprenderam nada — e isso também é uma bênção. Os desastres eleitorais que colheram ao tentar plantar candidaturas “evangélicas” forjadas em laboratório político foram um espetáculo à parte. Candidatos com votos que mal encheriam um ônibus, apesar de terem o apoio escancarado do Estado. Por quê? Porque o povo não é bobo o tempo todo. A ideologia deles continua a mesma: estatismo, relativismo moral, culto à burocracia e guerra constante contra qualquer autoridade que não seja o próprio Estado. Eles falham porque não sabem conversar com quem acredita que há uma Lei acima do STF — e um Rei acima de qualquer presidente. E continuarão falhando, desde que a igreja continue sendo igreja.
3. O perigo está na possibilidade de acerto. E aqui está a parte que deve nos deixar em alerta. Sim, eles podem acertar — não por conversão de coração, mas por cálculo político. Sabem que a população evangélica, embora biblicamente conservadora, ainda é majoritariamente estatista. A ideia de que “o governo pode nos ajudar” ainda mora no coração de muitos crentes. E se o Leviatã resolver vestir a pele de pastor, oferecendo subsídios, programas sociais gospel, emendas parlamentares para templos e apoio a ONGs com nomes piedosos… cuidado. O apelo populista pode fazer estragos onde a fé está fraca e o bolso aperta. E assim, o Ciro se faz Samuel, e o Estado continua sendo adorado — agora com louvor e palmas.
Diante disso, resta-nos lembrar quem somos e de quem somos. Como os filhos de Issacar, precisamos ser homens e mulheres que “compreendiam os tempos e sabiam o que Israel devia fazer” (1 Crônicas 12:32). Sem discernimento, nos tornamos presas fáceis — mas com olhos espirituais abertos, não há propaganda que nos engane, nem Balaão que nos seduza. As Escrituras são abundantes em advertências: “O simples dá crédito a toda palavra, mas o prudente atenta para os seus passos.” — Provérbios 14:15.
A resposta continua sendo a mesma: firmeza doutrinária, ensino constante e defesa intransigente da liberdade diante de qualquer César. O cristão fiel não se curva a Faraó por um punhado de maná estatal. Ele não negocia sua consciência no balcão de emendas parlamentares, nem troca a cruz por conveniências palacianas.
Por Isaias Lobão é professor de História no Instituto Federal do Tocantins (IFTO), pastor presbiteriano e doutorando em História pela Universitat de València (Espanha). Atua nas áreas de história da igreja, teologia reformada e pensamento político cristão. É membro da World Reformed Fellowship (WRF), da Society of Biblical Literature (SBL) e do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR). Publica regularmente artigos e livros sobre cosmovisão cristã, liberdade religiosa e crítica cultural.