Opinião – Precatórios e ética na advocacia: quando o que é legal não basta

Vivemos um momento de expansão do mercado de ativos judiciais, e a profissionalização da monetização de créditos é bem-vinda. Escreve Renata Nilson.

01/08/2025 06:12

“A decisão do TST não é conservadora.”

Ilustrativa.

A recente decisão da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que considerou inválida a cessão de precatórios feita por um trabalhador ao seu próprio advogado, reacendeu um debate fundamental: os limites éticos da atuação profissional em processos judiciais, mesmo quando amparada por previsão legal.

No caso concreto, um agente dos Correios, vencedor de uma ação trabalhista contra a ECT, cedeu ao seu advogado o direito de receber os valores devidos por meio de precatórios. Embora o artigo 286 do Código Civil permita a cessão de créditos, inclusive de natureza alimentar, o TST reafirmou o entendimento de que, quando a cessão é feita ao próprio advogado da causa, viola o princípio da moralidade e caracteriza infração disciplinar, segundo o Estatuto da OAB.

Trata-se de uma decisão que merece atenção não apenas dos operadores do direito, mas também de financiadores, gestores jurídicos e empreendedores que acompanham com interesse crescente o mercado de ativos judiciais. Afinal, o que está em jogo aqui não é apenas a legalidade formal de um contrato, mas a confiança na integridade do sistema de justiça.

Ética não é acessório. É estrutura.

Negócios jurídicos podem ser tecnicamente viáveis, mas não resistem quando violam o dever de lealdade, geram conflitos de interesse ou comprometem o equilíbrio da relação entre advogado e cliente. No caso dos precatórios – verbas de natureza alimentar que, muitas vezes, representam o sustento do trabalhador, a cautela precisa ser redobrada.

Quando o advogado se torna parte interessada no resultado financeiro da causa na qual o próprio cliente é autor — e passa a disputar com ele o tempo ou valor de uma execução — o risco de desvio de finalidade é evidente. E as consequências extrapolam o processo: comprometem diretamente a reputação da advocacia como função essencial à justiça.

O que isso sinaliza para o futuro?

Vivemos um momento de expansão do mercado de ativos judiciais, e a profissionalização da monetização de créditos — inclusive precatórios — é bem-vinda. No entanto, essa evolução demanda balizas éticas claras. Instrumentos como a cessão de crédito não devem ser criminalizados, mas conduzidos com responsabilidade, transparência e, acima de tudo, respeito à função social da advocacia.

A decisão do TST não é conservadora. É um lembrete de que o “pode” jurídico nunca deve atropelar o “deve” ético. Se quisermos construir um sistema mais eficiente, confiável e legitimado, será necessário alinhar inovação com integridade — e esse compromisso começa pelo o exemplo que damos dentro da própria profissão.

 

 

 

Por Renata Nilsson, CEO da PX Ativos Judiciais, é advogada, com especialização em Direito Empresarial, e membro ativo do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), com mais de 17 anos de experiência em litígios, M&A, contingências judiciais e créditos legais. Especialista no mercado brasileiro de créditos judiciais.

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