23/02/2021 13:33
Dívidas das famílias seguem em alta
Auxílio emergencial deve ter compensação
Caso contrário, economia fica em risco
O endividamento está crescendo no país com os juros no patamar ainda baixo, as famílias estão acessando o crédito com custos atrativos. Os recursos da poupança precaucional e circunstancial reservados durante o segundo semestre do ano passado também passaram a ser utilizados pelas famílias para ampliar a contratação de dividas e manter o pagamento das contas e despesas, uma vez que a inadimplência segue em queda. Mas esse quadro pode mudar se as taxas de juros de longo prazo continuarem subindo, por isso também as apostas de que o Banco Central iniciará em breve a trajetória de alta da Selic.
As dívidas das famílias continuam crescendo nesse início de ano, como mostram as pesquisas recentes, e os riscos fiscais permanecem com o agravamento da crise sanitária e o calendário de vacinação caminhando muito devagar. Os cenários para o primeiro trimestre do ano impõem ao Congresso aprovar a proposta do governo para uma nova rodada de auxílio emergencial, num momento em que estávamos mostrando recuperação econômica em forma de V.
Estuda-se a concessão de R$ 250 em 4 parcelas, a pelo menos 30 milhões de beneficiários, além dos inscritos no Bolsa Família, com custo total que deverá alcançar R$ 32 bilhões. Com as despesas discricionárias em patamar reduzido, sem maiores reajustes do salário mínimo além do vigente, e com salários de servidores já congelados, são escassas as opções de corte de gastos para compensar uma nova rodada de auxílio.
A alternativa para não violar as regras fiscais vigentes seria cortar gastos no mesmo valor, abrindo assim espaço dentro no orçamento, e respeitando o teto de gastos, a meta de resultado primário definida na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias e estipulada pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e a Regra de Ouro.
Dessa forma, as novas despesas com mais auxílio inevitavelmente serão extra teto neste ano fiscal. Por isso o governo quer condicionar o pagamento à aprovação de medidas que sinalizem um compromisso com alguma consolidação fiscal futura.
Qualquer atitude do governo em relação a ajuda emergencial que tenha suporte fiscal futuro vai reverter o mau humor do mercado, colaborando para queda do dólar e mais investimentos. Mesmo com o recrudescimento da crise sanitária, o pior provavelmente já passou, mas não há tempo a perder.
O Credit Default Swap (CDS) de 5 anos do Brasil, termômetro do risco-país, opera em alta desde o início em fevereiro, pressionado com a preocupação pelas contas fiscais em meio ao aumento de casos da nova variante (mais transmissível) do coronavírus se disseminando no país e o enfraquecimento da atividade econômica esperada para este trimestre.
O auxílio emergencial novamente poderá ajudar a segurar a inadimplência, assim como o programa de manutenção de emprego e renda (BEm), dado que quase 67% das famílias estão endividadas hoje no país. Os indicadores de inadimplência estão em queda desde meados do ano passado, conforme mostra o gráfico.
Agora, entretanto, é necessário mostrar quais serão as compensações fiscais necessárias, pois sem compromisso claro e objetivo com um ajuste, o dólar continuará subindo e toda a sociedade será penalizada com mais inflação e mais inadimplência.
O dólar se fortaleceu nos últimos dias com as vendas no varejo crescendo acima de 5% em janeiro ante dezembro no país norte-americano, bem acima da previsão de alta dos analistas. A inflação medida pelos preços ao produtor nos EUA também aumentou acima das expectativas.
A inflação americana assustando os mercados e a ausência de sinais permanentes quanto ao ajuste fiscal no Brasil, têm provocado maiores juros futuros e posição comprada em dólares, swaps e cupom cambial.
Esse é o desenho da preocupação com o atual nível de endividamento das famílias, embora a inadimplência esteja se reduzindo e sob controle. O auxílio emergencial e o BEm são necessários para manter algum nível de consumo e melhorar a capacidade de pagamento de contas e dívidas, mas não vão funcionar sem comprometimento de cortes futuros de despesas.
Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 73 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).