Opinião – Errado responsabilizar as hidrelétricas

02/08/2021 12:18

História se repete
Crise ocorreu em 2001
Falta de planejamento no sistema
Ausência de reservatórios são o gargalo

O Brasil está atravessando uma crise pluviométrica que estão chamando de hídrica. Em 2001 o setor elétrico passou por graves dificuldades chegando a proceder racionamento do suprimento de energia devido ao baixo nível dos reservatórios das hidroelétricas. A história se repete em 2021 e temos, segundo a última nota técnica do ONS, sérias dificuldades no suprimento de energia novamente devido ao baixo nível dos reservatórios.

Muitos especialistas têm surgido com opiniões sem a devida base técnica. Cada qual com uma recomendação diferente. Vários culpam a forte dependência de hidrelétricas como a causa desses problemas. E afirmam que isso seria resolvido simplesmente com o uso de outras fontes de energia.

ERRADO. A culpa não é das hidroelétricas. Se tivemos esse problema em 2001 porque voltamos a tê-lo em 2021?

A resposta é simples. Nesses vinte anos instalamos mais de 20.000 MW de hidrelétricas SEM RESERVATÓRIO.

O setor elétrico brasileiro iniciou seu planejamento de forma sistemática na década de 1960 pela contratação do grupo CANANBRA. Nosso sistema teve base hidroelétrica por décadas seguidas sem problemas devido a um planejamento adequado.  Tínhamos reservatórios de energia para enfrentar o chamado período crítico plurianual com repetição das baixas vazões de 1952-1956.

Nos últimos vinte anos a geração adicionada foi totalmente sem reserva de energia, principalmente em hidrelétricas sem reservatório, usinas de biomassa, eólicas e mais recentemente solares.

Falta Reserva ao Sistema

A simples introdução de outras fontes, principalmente por fontes intermitentes, não resolverá o problema da falta de reserva de energia.

A totalidade da capacidade de armazenamento de energia em todos os reservatórios de todas as regiões (Norte, Nordeste, Sudeste, Centro Oeste e Sul) representa 33,4% da geração total do SIN havida no ano de 2019. Somente a geração hidroelétrica havida em 2019 (que foi um ano seco) representa 90% a mais que toda a energia armazenada, ou seja, a geração hidroelétrica correspondeu a toda capacidade armazenada mais 90% resultante de energia afluente nesse mesmo ano.

Adicione-se a isso que, sem novos reservatórios e com grande capacidade de geração implantada nas usinas dos rios Madeira e Xingu, a operação modificou-se. O setor passou a priorizar (como [deveria) a geração dessas usinas para evitar perda de energia por vertimento e com isso os reservatórios do sudeste (os maiores do sistema) passaram a operar em ciclo de deplecionamento anual e não plurianual.

A tabela abaixo demonstra:

Verifica-se que nesses vinte anos o total de energia armazenada não ultrapassou 90% em nenhum ano e a partir de 2012 com a entrada em operação das usinas do Norte o deplecionamento tornou-se forte anualmente.

Deve-se considerar também o efeito do aquecimento global que tem causado secas mais frequentes. Porém, também tem causado inundações mais frequentes. Portanto, reservatórios poderiam atenuar ambos efeitos.

A chamada Crise Hidráulica que tanto tem chamado atenção, não deveria ser surpresa pois trata-se de ocorrência natural e cuja tendência já se vinha observando nos últimos dez anos.

A possível escassez de água e de energia elétrica é mais o resultado da falta de planejamento, resultando em falta de reservatórios, e falta de adequada política operacional, tanto no uso da água quanto na geração de eletricidade.  A falta de reserva de energia no sistema elétrico tem obrigado ao deplecionamento dos reservatórios em todos os anos, o que aumenta o risco.

O próprio ONS indica no PEN (Plano de Operação Energética) 2020-2024 que “a capacidade de armazenamento do SIN e de 219 GW/mês, uma das maiores do mundo. Todavia o grau de regularização continuará reduzindo nos próximos anos, aumentando tanto a dependência de períodos chuvosos para o replecionamento dos reservatórios a cada ciclo hidrológico anual quanto a importância das condições de armazenamento iniciais no final da estação chuvosa (maio) para assegurar o pleno atendimento da carga”.

Esse trecho do PEN confirma o que afirmamos acima que a operação dos reservatórios passou ao ciclo anual e a capacidade de armazenamento não é suficiente para enfrentar períodos sucessivos de baixa hidraulicidade.

Ou seja, faltam reservatórios.

 

 

 

 

Por Armando Ribeiro De Araujo engenheiro eletricista pela Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1965.

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