Opinião – Agricultura moderna é (a mais) sustentável (possível)

17/11/2021 14:30

Tratores em plantação de milho: articulista apresenta os grupos que surgiram a partir do desejo universitário da “agricultura alternativa” –e por que escolheu o do avanço científico

Colheita de milho na região do PAD-DF e Cooperativa do DF (COOPA-DF). Foto: Sérgio Lima

Recentemente, tive a honra de ser entrevistada na TV Democracia, do grande jornalista Fábio Pannunzio ­–como eu estava de férias e Fábio deixa um clima leve, a conversa teve um clima “mesa de bar carioca”. A 1ª pergunta apresentada foi a seguinte:

Qual é o modelo ideal de produção agrícola que seja capaz de alimentar a população mundial, respeitando a questão ambiental?

Para contextualizar, comecei falando o que eu pensava há 3 décadas. Algo extremamente romântico, típico de uma jovem carioca estudante de agronomia. Na década de 1980 e 1990, no Brasil, profissionais e estudantes de Ciências Agrárias que estavam profundamente preocupados com os impactos ambientais da adoção massiva do Pacote Tecnológico da Revolução Verde refletiam sobre o que, na época, chamávamos de Agricultura Alternativa.

Existia um desejo comum: mudar a base da agricultura. Sou dessa geração. Na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, quando estudante de Agronomia, tínhamos o GAE (Grupo de Agricultura Ecológica). Nas outras universidades, existiam também grupos com o mesmo propósito. Estudávamos todos os livros disponíveis sobre Agricultura Alternativa, tanto dos autores que faziam crítica ao modelo tecnológico da agricultura moderna, quanto dos que propunham mudanças ou linhas alternativas: Carson, Primavesi, Altieri, Chaboussou, Kiehl, Okada, Steiner, Howard, etc

Naquela época, a agricultura alternativa era considerada um “contraponto tecnológico” ao formato organizativo da agricultura então vigente. E nos identificávamos como “Movimento da Agricultura Alternativa”. Ao longo dos anos, foi ocorrendo uma diferenciação interna. Identifico 3 grupos:

O 1º grupo pratica as linhas da “agricultura alternativa”: a biodinâmica, orgânica, biológica, natural e permacultura. Para cada uma delas, há uma lista de técnicas recomendadas e outras não admitidas. Muitas vezes, os produtos são comercializados com selos concedidos por certificadoras. Portanto produzem para nichos muitos específicos de mercado. Ou seja, para pouquíssimas pessoas;

O 2º grupo propõe a construção de um padrão radicalmente diferente, uma “outra agricultura”. Um pensamento altamente romântico, que julga factível a ocorrência de uma série de mudanças do manejo agronômico associadas às transformações das relações sociais e econômicas que conformarão um novo padrão societário. Tal proposta tem sido defendida por um movimento que se autodenomina como o da “agroecologia” e sua “nova forma de fazer ciência”. Alguns sugerem até que o agricultor não deveria visar ao lucro em sua atividade. Militam contra a agricultura moderna, incluindo a biotecnologia. Propõem o uso exclusivo de sementes crioulas para alimentar bilhões de pessoas e um amor fraternal entre agricultores e consumidores. O único problema é que não explicam como vão implementar a mudança e muito menos o que vem a ser esta tal de “nova forma de fazer ciência”. Esse grupo parece delirar sem tomar chá de cogumelo.

O 3º grupo, no qual me incluo com muito orgulho, está convencido de que o único caminho para alcançarmos um “modelo ideal de produção agrícola que seja capaz de alimentar a população mundial, respeitando a questão ambiental” é aquele pavimentado pela ciência. Temos certeza de que os avanços em direção a uma agricultura mais sustentável, justamente, ocorrem por meio do contínuo avanço das Ciências Agrárias. Ou seja, a partir do acúmulo no aprendizado nesse campo da ciência é que são desenvolvidas ou adaptadas tecnologias com menor externalidade ambiental negativa possível. São exemplos, entre muitos outros, a adoção de variedades de plantas resistentes às pragas e doenças, incluindo as transgênicas e de irrigação de precisão.

Portanto, entendo que este último grupo é o verdadeiro herdeiro do movimento da “Agricultura Alternativa”. Pois é agricultura moderna a mais sustentável possível que está transformando realmente (e não apenas idealmente) a agricultura brasileira, elevando-a para um patamar mais sustentável e também sendo capaz de alimentar a população mundial (e não somente oferecer alimentos para os exigentes nichos de mercado).

 

 

 

 

Por Maria Thereza Pedroso, 52 anos, é pesquisadora da Embrapa Hortaliças. Doutora em Ciências Sociais pela UnB (2017), Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela UnB (2000) e Engenheira Agrônoma pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1993)

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