Opinião – Aumento dos juros precisa equilibrar crédito e inflação

19/11/2021 17:33

”A preocupação com a inflação no Brasil e no mundo mostra que as economias estão acelerando a recuperação no pós-pandemia”

Fachada do Banco Central, em Brasília. Foto: Sergio Lima

As vendas no varejo caíram em setembro pelo 2º mês consecutivo, com redução do volume vendido em 8 das 10 atividades pesquisadas pelo IBGE no conceito ampliado. Dois segmentos tiveram estabilidade: livrarias e papelarias; e farmácias, perfumarias e cosméticos. O resultado foi pior que as estimativas, onde a inflação alta inevitavelmente se faz sentir nas vendas mais modestas

Na comparação interanual, as vendas do comércio também seguem apresentando resultados negativos. Houve reduções nas vendas de segmentos essenciais, como hipermercados, e nos associados à mudança temporária de comportamento dos consumidores, caso de móveis e eletrodomésticos.

O acirramento da inflação corrente ao consumidor se reflete na piora das vendas do segmento de supermercados, alimentos e bebidas. Este setor recuou 3,7% em comparação a setembro de 2020, a 8ª queda consecutiva nessa base de comparação. Já as vendas de combustíveis tiveram retração de 4% no volume vendido, depois de 4 altas, com natural perda no ritmo de vendas pelo rápido acirramento dos preços dos derivados ao consumidor final.

O comércio varejista foi o 1º setor a se recuperar rapidamente dos efeitos econômicos da crise da covid-19. A retomada veio no início do 2º semestre do ano passado, após abril e maio de 2020 terem sido os meses de maior redução nas vendas da história da PMC (Pesquisa Mensal do Comércio), com os estabelecimentos não-essenciais fechados em razão da pandemia. Em junho o setor já experimentava recuperação das vendas, com o auxílio emergencial sendo pago aos informais e mais vulneráveis, com inflação e juros reais bem baixos para os padrões brasileiros.

A questão agora é que os preços ao consumidor medidos pelo IPCA chegaram a 10,67% em outubro, a 2ª maior taxa acumulada da série histórica, e com maior dispersão e persistência da alta dos preços. Essa dinâmica deve levar mais tempo para se alterar, e os cenários para 2022 seguem indicando pressões altistas vindas de diferentes componentes do IPCA: serviços, bens industriais em geral –duráveis, não duráveis e semiduráveis, além de energia e combustíveis nos administrados.

A disseminação inflacionária também afeta a receita bruta de vendas, que caiu 0,2% de agosto a setembro, segundo os dados do IBGE. O varejista sofre com as altas dos preços, assim como os consumidores finais, uma vez que energia elétrica e combustíveis são insumos importantes e fontes de custos e despesas que também estão afetando as margens de lucro.

A interrupção na cadeia de fornecimento de diversos tipos de produtos, de embalagens ao produto acabado, reflete no aumento dos custos para recomposição dos estoques, assim como das despesas operacionais. Soma-se a isso o aumento do custo dos fretes.

O varejista quer renovar os estoques. O índice de intenção de investimentos em estoques no varejo, 1 dos componentes da confiança do comerciante (Icec) medida pela CNC, tem crescido na margem, e na comparação com novembro do ano passado aumentou 7,8%. Mas os prazos para recebimento e recomposição das prateleiras estão maiores, com preços mais caros do que há 1 ano. As empresas de pequeno porte ainda enfrentam piora nas condições financeiras, especialmente no caixa, com menores disponibilidades para o giro operacional.

As margens de lucro estão naturalmente achatadas, em geral, uma vez que o espaço para repasse da alta dos custos ao consumidor é decrescente. E como as expectativas são de persistência inflacionaria em 2022, o contexto cauteloso para operações no varejo também deve perdurar.

Uma das maneiras para impulsionar as vendas nesse fim de ano está na forma de pagamento e nos prazos oferecidos aos clientes.

As compras com cartão de crédito e o uso dos carnês e cartão de loja pelas famílias de menor renda são as modalidades que mais crescem no endividamento dos consumidores. Pelo menos 85% das famílias endividadas possuem dívidas no cartão, 6 pontos acima do percentual de outubro de 2020. Além disso, 21% das famílias com até 10 salários de rendimento mensal têm dívidas em carnês e cartões de lojas. São as duas modalidades mais representativas no endividamento do brasileiro, atualmente.

As grandes varejistas já perceberam que ampliar os prazos de pagamentos nas operações com cartões próprios é a sacada para alavancar as vendas. O pequeno varejo, inclusive os lojistas dos segmentos essenciais como supermercados e farmácias, também já apontam aumento dos recebimentos no cartão. A venda parcelada também cresce, mesmo que no valor da compra esteja embutido o custo do parcelamento incorrido pela empresa.

A saída encontrada pelas famílias para suportar o consumo tem vindo do crédito. Mesmo com a alta dos juros, a contratação de dívidas tem evoluído, as concessões de crédito aos consumidores com recursos livres estão avançando, como mostram os números do Banco Central. Esse ano, as operações de crédito com consumidores devem crescer perto de 18%.

Os parcelamentos ou dívidas acima de 6 meses, como também acima de 1 ano, têm alcançado proporções recordes dentre as famílias endividadas, segundo os dados da Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência). O consumidor está precisando de prazo para possibilitar a compra com parcela reduzida, fazendo cabê-la no orçamento doméstico..

A preocupação com a inflação no Brasil e no mundo mostra que as economias estão acelerando a recuperação no pós-pandemia, basicamente com a escassez de bens afetando a oferta global.

No Brasil, aumento dos juros são necessários para ancorar melhor as expectativas de inflação mais longa (2023). Contudo, em ritmo muito intenso são contraproducentes, pois além de não resolver a dinâmica dos preços em 2022, vai arrefecer demais o crédito, justamente a via de suporte atual da demanda das famílias.

 

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 73 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).

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