Dificilmente haverá retrocessos pois cadeias produtivas criaram dinâmicas menos dependentes do Estado. Se os mercados externos continuarem aquecidos, e os preços remuneradores, o agro seguirá em frente. Escreve Xico Graziano
15/11/2022 06:21
”Embrapa: O governo do PT a engendrou, Temer passou batido, Bolsonaro a deixou rolar”
Com a vitória de Lula, o que acontecerá ao agro? Minha resposta é rápida e simples: quase nada. Pouco mudará.
Os bolsonaristas odeiam escutar isso. Mas é a pura verdade. A dinâmica recente do agronegócio brasileiro, que o tornou pujante, não dependeu apenas do governo atual. Essa exitosa história vem sendo construída há tempos. E tem vários protagonistas.
Começou há cerca de meio século, quando o engenheiro agrônomo mineiro Alysson Paolinelli comandou o ministério da Agricultura, de 1974 a 1979, no governo militar de Ernesto Geisel. Nessa época surgiu o sistema nacional de crédito rural e se criou a famosa Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
O grande desafio da sociedade brasileira residia, então, na acelerada urbanização do país. Como abastecer com alimentos as metrópoles, que se entupiam de migrantes trazidos pelo êxodo rural?
Uma das saídas levou à expansão da fronteira agrícola rumo ao cerrado do Centro-Oeste, configurando verdadeira epopeia que marcou a transformação tecnológica do agro nacional. Um inédito modelo de agricultura tropicalizada se erigiu no Brasil.
Mas no caminho desse sucesso apareceu o dragão inflacionário, minando o trabalho e valorizando o patrimonialismo. Sem a estabilização econômica, nos anos 1990, os investimentos produtivos no agro não teriam ocorrido.
Superado o tranco financeiro causado pelo Plano Real, a agropecuária deslanchou. Nesse período de ajuste, foi fundamental a presença do gaúcho Pratini de Moraes no ministério da Agricultura. Ele dialogava de igual para igual, defendendo o agro, com Pedro Malan, na Fazenda. Mérito de Fernando Henrique Cardoso.
Resolvidos os problemas internos, chegou o grande estímulo do exterior. Na virada do século, o mercado global de commodities se aqueceu como nunca. E o Brasil precisava navegar nessa onda virtuosa.
Era, porém, necessário aprender a competir, investir em qualidade, superar a velha diplomacia. O engenheiro agrônomo paulista Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura de 2003 a 2006, foi um gigante nessa tarefa. Também ele impulsionou o cooperativismo e o seguro rural, tornando-se o mais querido líder rural do país. Nomeado por Lula.
Vieram anos difíceis, causados pela incompetência e pela roubalheira instalada na República. Executado o impeachment, Michel Temer deu uma reorganizada no país, livrando-o do petismo safado. Engenheiro agrônomo e grande produtor rural, Blairo Maggi cumpriu papel essencial no Ministério da Agricultura.
Quando Bolsonaro assumiu, teve a sabedoria de nomear a engenheira agrônoma Tereza Cristina para a Agricultura. O talento político, a simpatia e capacidade dela trouxeram brilho ao governo.
Vinda a pandemia, temerosas pela sua segurança alimentar, uma centena de nações demandaram acordos comerciais com o agro verde-amarelo. As exportações cresceram fortemente. O agronegócio criou renda, empregos e divisas, ancorando a economia nacional.
Nessa trajetória de 50 anos, o Brasil passou de uma agricultura latifundiária, que mal produzia para seu povo, para uma potência agroalimentar mundial. Não foi obra de um governo, menos ainda de um presidente.
Haverá retrocesso com a volta de Lula?
Dificilmente. A força das cadeias produtivas ligadas ao mundo rural criou uma dinâmica própria, essencialmente capitalista, de base tecnológica, pouco dependente do Estado. Diferentemente do que muitos imaginam, o custo dos subsídios agrícolas, para todos os programas, soma R$ 9,5 bilhões, o que dá 0,6% do dispêndio público total. Se os mercados externos continuarem aquecidos, e os preços remuneradores, o agro seguirá em frente. Não depende de Lula.
A proteção da Amazônia, livrando-a dos criminosos da floresta, pode facilitar a relação comercial com a União Europeia. Melhoraria o retorno ao agronegócio sustentável.
Se as exportações se arrefecerem, hipótese plausível, o crescimento do mercado interno tenderá a compensar as perdas, ajudando os produtores menores e menos qualificados. Nessa equação, vai mandar a responsabilidade fiscal do governo.
Mas e as invasões de terras? Sim, aqui mora um perigo. Como, porém, as terras improdutivas praticamente se acabaram no país, quem pensa em invadir fazenda produtiva sabe que, hoje, pode encontrar resistência armada.
Nisso, Bolsonaro foi imbatível. Acabou aquele tempo permissivo onde os bandidos agrários apavoravam com foices, matavam gado com tiro de espingarda e tacavam fogo nas máquinas agrícolas. E, pior, eram tratados como “movimento social” pela mídia. (A conferir).
Quem será o ministro da Agricultura do Lula?
Logo saberemos. Talvez ele não encontre algum craque como Roberto Rodrigues, ou Alysson Paolinelli, Pratini de Moraes, Blairo Maggi e Tereza Cristina. Quem quer, todavia, que assuma o ministério da Agricultura, continuará a obra dos seus predecessores.
Terá, contudo, que resolver um instigante problema escondido debaixo do tapete do agro: a crise surgida pelo envelhecimento da Embrapa. O governo do PT a engendrou, Temer passou batido, Bolsonaro a deixou rolar.
Reanimar e revalorizar a Embrapa, o maior orgulho do agro nacional, é a mais difícil tarefa do próximo governo. O resto, a gente tira de letra.
Por Xico Graziano, 69 anos, é engenheiro agrônomo e doutor em administração. Foi deputado federal pelo PSDB e integrou o governo de São Paulo. É professor de MBA da FGV.