Tarcisio pode até ser “pragmático demais” pela ótica bolsonarista, mas cá entre nós: Bolsonaro poderia ter sido mais pragmático inúmeras vezes também. Escreve Rodrigo Constantino
08/12/2022 10:23
“Cada macaco no seu galho, eis o ponto. O equívoco é achar que macaco é leão”
As falas do governador eleito Tarcisio Gomes de Freitas geraram muita polêmica esta semana. O ex-ministro de Bolsonaro disse não ser um bolsonarista raiz, e ainda teve encontro amistoso com figuras que passaram a representar a maior força inimiga da direita no país.
Claro que a revolta nos meios bolsonaristas foi imediata, e Tarcisio passou a ser alvo de muitas críticas pesadas. Por outro lado, recebeu alguns afagos da mídia esquerdista, o que sempre acende uma luz amarela. Tarcisio é aquela “direita permitida” para os jornalistas. Mas ele é mesmo alguém de direita?
Eis o ponto aqui: Tarcisio tem formação de tecnocrata, atuou no DNIT, foi do governo Dilma, e graças a Bolsonaro – como ele mesmo confessou várias vezes – pode virar um ministro com ampla autonomia para gerir sua pasta com eficiência. Mas ele nunca se manifestou sobre seus pensamentos ideológicos.
E não há mal algum nisso. O cargo que Tarcisio vai ocupar exige eficiência de gestão, pragmatismo, senso prático, capacidade de diálogo e disposição para ceder. Sua prioridade não é engajamento em rede social ou participar ativamente da guerra cultural – isso fica mais para os parlamentares. No Executivo, ele tem que entregar resultados concretos, ponto.
Essa postura pragmática decepciona quem quer vê-lo travando batalhas ideológicas, peitando a esquerda, enfrentando a mídia militante. Mas cabe aqui compreender que cada um deve exercer um papel distinto. Romeu Zema foi reeleito no primeiro turno em Minas Gerais por se mostrar um gestor eficiente e pragmático, ainda que discreto em temas mais polêmicos e ideológicos. Nada errado nisso.
Acredito que o grande erro de alguns bolsonaristas é não entender a divisão de funções nessa guerra. O papel de quem lidera a guerra cultural é fundamental, até porque a maior ameaça esquerdista, a longo prazo, vem dessa seara. Mas isso não quer dizer que todos devam viver imersos nesse campo de batalha diariamente. O papel do soldado não é o mesmo do general, e a função do marinheiro tampouco é igual a do piloto de caça.
Quem esperava de Tarcisio um substituto de Bolsonaro estava misturando as coisas. Muita gente criou essa narrativa: Bolsonaro reeleito, depois Tarcisio presidente por duas vezes, e o Brasil teria jeito. Talvez, mas cada um teria um papel diferente.
Tarcisio não é um conservador disposto a combater a esquerda na esfera intelectual. Não é seu perfil. O que não quer dizer que ele não possa ser um ótimo governador – ou mesmo presidente. Ou que a guerra cultural seja desimportante – não é, e basta pensar qual o espaço restante para bons gestores numa Venezuela ou mesmo Argentina da vida.
Cada macaco no seu galho, eis o ponto. O equívoco é achar que macaco é leão. São bichos diferentes, só isso. E cada um tem lá suas virtudes, seus méritos e sua contribuição a dar – desde que não se espere que o macaco atue como o leão e vice-versa.
Em tempo: Tarcisio pode até ser “pragmático demais” pela ótica bolsonarista, mas cá entre nós: Bolsonaro poderia ter sido mais pragmático inúmeras vezes também, evitando certas batalhas desnecessárias ou agindo de forma mais sábia diante dos inimigos.
Por Rodrigo Constantino, economista pela PUC com MBA de Finanças pelo IBMEC, trabalhou por vários anos no mercado financeiro. É autor de vários livros, entre eles o best-seller “Esquerda Caviar” e a coletânea “Contra a maré vermelha”. Contribuiu para veículos como Veja.com, jornal O Globo e Gazeta do Povo. Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal.