Opinião – A regulação de serviços públicos

O razoável é termos uma discussão séria e participativa para o país ter serviços públicos de qualidade com confiabilidade, continuidade de serviços e tarifas. Escreve Armando Ribeiro de Araujo.

14/03/2023 06:49

“Termos uma governança setorial independente, tanto do poder político quanto do econômico”

Recentemente tem havido no Brasil várias demonstrações de defesa das Agência Reguladoras de serviços públicos. O Instituto Acende Brasil publicou artigo de título sugestivo: O começo do fim das agências reguladoras? Nesse artigo o Instituto argumenta contrariamente a Emenda 54 – 617 KB, proposta à Medida Provisória 1.154 que propõe a criação de novos órgãos sem definir claramente seus objetivos e competências, suas estruturas organizacionais, o perfil e a qualificação de seus profissionais, seus orçamentos e fontes de recursos.

Adicionalmente, o artigo indica que “a autonomia das agências reguladoras decorre da necessidade de que estas instituições atuem como guardiãs do “consumidor do futuro”. Para isso, elas precisam pensar e agir como agentes de Estado (que têm visão de longo prazo), imunes às pressões de governos e que as agências reguladoras devem ser pautadas pelo comportamento técnico, especializado e apolítico, assegurando o cumprimento dos contratos de concessão”.

Esses argumentos são totalmente válidos e devem ser integralmente defendidos.

Porém existem outros aspectos de igual importância que devem ser considerados.

A regulação de serviços públicos não se restringe apenas ao fiel cumprimento dos contratos de concessão, este se refere à necessidade da continuidade dos serviços. Porém, aspectos de organização institucional do setor competem ao poder concedente, o governo. Adicionalmente, as agências reguladoras devem ter supervisão externa para evitar que sejam capturadas tanto pelos políticos como pelos agentes econômicos do setor, isto é, atuar em defesa do consumidor.

Assim dois aspectos devem ser adicionados nessa discussão: (a) temos no Brasil uma estrutura adequada nos ministérios que tutelam os setores encarregados de serviços públicos para que promovam o planejamento desses setores de forma a termos serviços econômicos e confiáveis? (b) a forma de seleção e supervisão da atuação dos gestores das agências reguladoras permite que tenhamos qualificação técnica e independência gerencial tanto dos agentes políticos, mas também dos interessados no setor?

Cabe à sociedade por meio do governo e dos seus representantes definir e atualizar o modelo institucional do setor. A clareza do modelo institucional é indispensável para que todos os atores intervenientes neste setor, em especial as entidades encarregadas da prestação dos serviços, saibam com antecedência as regras do modelo de regulação e possam, com maior segurança, gerir o seu posicionamento. Necessário também, que o modelo inclua um planejamento adequado dos investimentos para economia no setor conduzindo a menores tarifas a todos os consumidores.

O modelo institucional deve ter em conta, de forma integrada, as vertentes técnica, econômica, jurídica, ambiental, social e ética e ser implementado numa perspetiva de curto, médio e longo prazo e com regras estáveis, independência, capacidade, imparcialidade e transparência. Deve ser um modelo claro, simples e prático para os regulados e para os utilizadores dos serviços.

Um primeiro plano, portanto, consiste na definição e atualização do modelo institucional, o qual não deve ser da competência das agências reguladoras. Essa ação deve ser focada na globalidade do setor, designado pela estruturação do setor, que consiste na contribuição para uma melhor organização do setor, clarificação das suas regras de funcionamento, elaboração e divulgação regular de informação sobre o setor, bem como, sua capacitação e inovação. Essa atividade não está focada nas entidades de prestação de serviço em particular, mas no conjunto do setor, ajudando a criar organização, regras e instrumentos para o seu bom funcionamento. Corresponde, portanto, a uma macro intervenção regulatória.

Um segundo plano, corresponde à regulação comportamental das entidades prestadoras de serviço, que consiste nas vertentes da monitorização legal e contratual ao longo do ciclo de vida do contrato de concessão, regulação económica, qualidade do serviço, e interface com outros utilizadores. Ao contrário das ações do primeiro plano, aqui na regulação estrutural, a entidade reguladora está encarregada de focar em cada uma das entidades prestadoras de serviço atuando no setor. Corresponde, portanto, e como complemento ao primeiro plano, a uma intervenção regulatória executada pela agencia reguladora, naturalmente multiplicada pelo número de entidades de serviço regulado.

No caso dos serviços públicos com alteração lenta das condições de mercado e das tecnologias, tende a haver uma prevalência da regulação comportamental das entidades prestadoras de serviço sobre a modernização institucional da estrutura do setor. Contudo, nos períodos mais vincados de reforma das políticas públicas, ou rápidas introduções tecnológicas (como tem ocorrido nos setores Elétrico e de Telecom) pode passar a haver, temporariamente, uma prevalência da modernização institucional da estrutura do setor sobre a regulação comportamental das entidades de prestação de serviço. O esforço de intervenção deve adaptar-se e acompanhar estas tendências.

A nível da estruturação do setor, é necessário que o país assegure:

  • organização do setor;
  • regulamentação do setor;
  • informação do setor;
  • capacitação do setor.

A nível da regulação comportamental das entidades prestadoras dos serviços, é necessário que o país assegure:

  • regulação legal e contratual;
  • regulação económica;
  • regulação da qualidade do serviço;
  • regulação da qualidade dos efluentes sobre o ser humano;
  • regulação da interface com outros setores.

Portanto, o razoável é termos uma discussão séria e participativa para o país ter serviços públicos de qualidade com confiabilidade, continuidade de serviços e tarifas as mais baixas economicamente possíveis. E, finalmente, termos uma governança setorial independente, tanto do poder político quanto do econômico, focada no interesse público e defesa dos consumidore.

 

 

 

 

Por Armando Ribeiro de Araujo é Engenheiro Eletricista com Mestrado e Doutorado, foi Diretor de Procurement Policy do Banco Mundial, Secretario Nacional de Energia do Ministério de Infraestrutura, Presidente da Eletronorte, Membro do Conselho de Administração de Itaipu, Furnas, Chesf e Eletronorte.

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