As pessoas que têm sucesso por muito tempo acabam adquirindo enorme autoconfiança e ultrapassam a linha divisória entre autoconfiança e arrogância. Escreve José Pio Martins.
30/08/2023 08:56
“O criador da empresa leva décadas fazendo seu negócio crescer e, quando ele já está velho, os problemas societários e os conflitos sucessórios explodem”
Durante a pandemia, uma matéria publicada em jornais chamou-me a atenção. Fiquei com aquela matéria na mente e, por isso, resolvi fazer uma revisão de literatura a respeito. Selecionei 21 livros e vários artigos sobre o tema e me dediquei ao estudo. A matéria referida era um estudo feito pela KPMG, empresa de auditoria e consultoria, na qual constava que, somente nos nove primeiros meses de 2019, um total de 53 empresas paranaenses foram vendidas para grupos de fora do Paraná. A maioria delas, se não a totalidade, era de empresas familiares.
O conceito de empresa familiar não é necessariamente ligado ao fato de uma empresa ser possuída por pessoas parentes entre si. Qualquer empresa que tenha um ou mais donos, mesmo que não haja parentesco entre eles, faz dela uma empresa familiar no mínimo quanto ao problema sucessório, já que a morte um dia leva a todos.
A meu ver, a maior falha das empresas familiares está na gestão da condição familiar da empresa e da condição empresária da família. O estudo da KPMG, publicado em 2020, e a literatura a respeito me fazem concluir que o Paraná não tem conseguido formar uma classe de grandes empresários. A sina das empresas familiares que crescem acaba sendo ou a falência, ou a extinção sem terem quebrado, ou então a venda para grupos de fora do estado.
O criador da empresa leva décadas fazendo seu negócio crescer e, quando ele já está velho, os problemas societários e os conflitos sucessórios explodem, e a empresa caminha inevitavelmente para o fim. Uma das causas é o fato de a atenção ao problema sucessório vir apenas quando os conflitos societários e familiares já estão deteriorados a tal ponto que o fracasso se torna inevitável.
Esse assunto está relacionado com outro aspecto: a lógica do fracasso no mundo dos negócios. Selecionei cinco receitas para “o ciclo do fracasso”, que são as seguintes:
1. A percepção distorcida das próprias virtudes e qualidades (o autoengano). O autoengano ocorre quando a pessoa acha que sabe tudo, fica cega para suas limitações e seus defeitos e, mesmo cometendo erros, segue no caminho errado por não conseguir enxergar a realidade como ela é.
2. O excesso de confiança resultante do sucesso (a arrogância). As pessoas que têm sucesso por muito tempo acabam adquirindo enorme autoconfiança e ultrapassam a linha divisória entre autoconfiança e arrogância. A arrogância é típica de quem pensa nunca estar errado e que todas suas crenças são verdadeiras. Aí, a pessoa segue persistindo em atitudes negativas e nocivas.
3. A entrada em atividades para as quais não tem competência (a prepotência). Quando um profissional ou empreendedor de sucesso começa a entrar em atividades ou negócios sobre os quais não tem conhecimento nem experiência, ele está na autoilusão que resulta de seu próprio sucesso. Primeiro, todos somos ignorantes, apenas em assuntos diferentes.Em segundo lugar, ninguém consegue ser competente em muitas atividades diferentes. Quem consegue evitar a autoilusão deve ficar em seu círculo de competência, ou seja, naqueles setores e atividades que conhece bem, nos quais é competente e desde que tenha tempo para cuidar deles, já que o tempo é limitado para todos.
4. A incapacidade de ouvir e a negação dos próprios erros (teimosia). Os vícios anteriores (“vícios”, em filosofia, são falhas e defeitos), fazem a pessoa perder a capacidade de ouvir e não ter humildade para reconhecer que pode estar errada. Aí, a pessoa começa a negar os próprios erros, e isso é o vício da prepotência que já levou milhões ao fracasso e à falência.
5. Com o fracasso inevitável, vem o hábito de culpar os outros (petulância). Um empreendedor, gerente ou profissional de qualquer área que seguir os quatro passos anteriores, por conta de seus vícios de personalidade e maus hábitos de comportamento, terminará no fracasso inevitável e, seguindo seu estilo errático, apresentará mais um vício: colocar sempre a culpa nos outros. O petulante acredita nunca estar errado, enquanto é crítico voraz na avaliação sobre os outros. A petulância encerra o ciclo e bate o prego no caixão do fracassado, mesmo que ele continue achando não ter culpa nenhuma.
O tema é longo, mas é interessante e merece outros textos, pois o ciclo do fracasso tem grande presença no mundo.
Por José Pio Martins é economista e professor de Macroeconomia, Microeconomia, Finanças Empresariais e Filosofia, em cursos de graduação e pós-graduação. Foi secretário do Planejamento de Londrina, diretor-geral da Secretaria da Fazenda do Paraná, vice-presidente do Banco do Estado do Paraná e reitor da Universidade Positivo