Opinião – Que igualdade?

Se alguém rouba uma única pessoa com violência da qual resulta morte não haverá direito a anistia, graça, indulto ou fiança e a pena poderá chegar a 30 anos. Escreve Pedro Valls Feu Rosa.

31/08/2023 13:32

“Eis que a corrupção tem como sujeito passivo, no final das contas, toda a Sociedade. Grande engano!”

Deu no jornal Swissinfo: 80% dos suíços acreditam que a corrupção seja grande em seu país mas 30% acham que isto não afeta suas vidas. Será que não afeta?

Vejamos o caso da China – onde a corrupção é punida com a pena de morte. Lá, o Ministério do Comércio divulgou que nos últimos anos cerca de 4 mil corruptos fugiram do país carregando nada menos que US$ 50 bilhões. Lamentando o fato um dirigente chinês declarou: “A China precisa desesperadamente desse dinheiro, que poderia ser usado na construção de escolas para suas crianças, na geração de empregos para centenas de milhares de seus desempregados e na criação de serviços básicos de que seu povo tanto precisa”.

Está aí, nesta frase, o óbvio que nossas bondosas leis ignoram – cada uma destas crianças sem escola, cada um destes desempregados e cada cidadão que padece – e até morre – por falta de serviços básicos é, no final das contas, uma vítima de crimes.

Li que no Brasil o desvio de recursos seria equivalente ao orçamento de até 7 Ministérios pequenos, quase o do Ministério da Educação ou cerca de 1,35% do nosso Produto Interno Bruto.

Logo, que tal pensarmos nas vítimas de acidentes de trânsito causados pela má qualidade das nossas estradas como vítimas de crimes? Que tal considerarmos  aqueles semelhantes nossos que morreram em filas de hospital, sem atendimento, como vítimas de crimes? Que tal considerarmos os mais de 80 milhões de brasileiros que não têm esgoto sanitário, muitos dos quais acabam contraindo doenças fatais, como vítimas de crimes?

Alguém diria: já o são, eis que a corrupção tem como sujeito passivo, no final das contas, toda a Sociedade. Grande engano! No Brasil, se alguém rouba uma única pessoa com violência da qual resulta morte não haverá direito a anistia, graça, indulto ou fiança e a pena poderá chegar a 30 anos de reclusão. Já um corrupto que desviou milhões de um hospital, causando a morte de diversas pessoas, terá direito a mais benefícios legais e a penas menores.

Assim, dizer-se que nosso sistema legal e judiciário considera como verdadeiras vítimas de crimes os tantos que padecem tanto por causa de tão poucos nos traz à memória aquela frase de Anatole France: “a lei, no seu majestoso igualitarismo, proíbe tanto os ricos quanto os pobres de dormir debaixo da ponte”.

 

 

 

 

 

Por Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

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