Nunca declaramos que somos invejosos, vingativos ou desleais – fraquezas comuns dos seres humanos. Para não passar a ideia petulante de que não temos imperfeições. Escreve Renato de Paiva Pereira.
13/05/2024 05:31
“Quando atacam o adversário que os enfrentam nas eleições”
Dos gêneros literários, o que menos me fascina (fora a autoajuda) é a biografia, principalmente a autobiografia. Quando as pessoas escrevem sobre si mesmas ou autorizam outros a fazê-lo em seu nome, poucas vezes escapam do desejo de esconder episódios negativos que viveram e de inflar os eventos considerados mais nobres.
Somos pródigos nos autoelogios, e contidos ou reticentes nas circunstâncias mais desabonadoras. Sem falar nos esquecimentos seletivos dos fatos realmente comprometedores.
Também nos elogiamos nas entrevistas de emprego disfarçando nossas baldas: se convidados a falar sobre os próprios defeitos, nunca declaramos que somos invejosos, vingativos ou desleais – fraquezas comuns dos seres humanos. Para não passar a ideia petulante de que não temos imperfeições, dizemos que somos perfeccionistas ou muito exigentes, querendo passar a ideia que esses falsos desdouros são nossas maiores deficiências.
Acho que até os próprios entrevistadores não estão preocupados com essas recorrentes mentiras, ou são despreparados para ouvir verdades cruas. Uma vez vi um candidato ser desclassificado porque respondeu “sim, claro” ao entrevistador que lhe perguntava se deixaria o emprego pretendido, diante de proposta melhor de outra empresa.
Igualmente iludimos quando garantimos aos familiares que nos cobram maior convivência em casa, que trabalhamos muito somente para deixar alguma herança para a família, pois é a vaidade de construir coisas que nos leva ao excesso de trabalho.
Portanto, não acreditem nos religiosos que pregam nas praças, na televisão e nos rádios divulgando sua fé, garantindo que estão preocupados com a salvação da alma dos ouvintes. Na verdade, é a presunção da maioria deles e a ganância de alguns que os fazem tão dedicados a converter-nos.
Desconfiem das narrativas heroicas de pessoas pobres que se tornaram ricas, quando atribuem esse enriquecimento à visão futurista e à capacidade de ver com clareza o que os outros não viam, esquecendo que na maioria das vezes os sucessos acontecem mais por acaso do que por competência. Digamos: 10% de talento, 10% de ousadia e 80% de sorte.
Existe, entretanto, um momento na vida dos políticos – campeões da mentira – que eles falam a verdade, é quando atacam o adversário que os enfrentam nas eleições: se o candidato do PSDB, por exemplo, garante que o concorrente do PT é mentiroso, corrupto e desleal, pode acreditar sem reservas, pois ele sabe o que está dizendo. A experiência o faz conhecer o meio em que milita. (Há exceções, claro).
Em contrapartida, se o concorrente do PT afirmar que seu adversário do PSDB (ou de outro partido qualquer) é incapaz e desonesto, confie também em sua declaração, provavelmente não é leviandade, pois as chances de acertar superam 90%.
Vejam que os políticos, que o povo tem por mentirosos, pelo menos quando atacam seus adversários, são totalmente confiáveis.
Por Renato de Paiva Pereira