Opinião – Suspensão de contas de Pablo Marçal renova debate sobre democracia

Muitos se indignaram. Isso significa que há uma crise no processo eleitoral brasileiro não atribuível apenas aos candidatos. Escreve Edson Francisco Rocha Neto

03/09/2024 06:27

“Se o intuito da suspensão das contas era coibir figuras (…) o resultado não foi atingido”

A Justiça Eleitoral de São Paulo mandou suspender as contas nas redes sociais de Pablo Marçal até o final das eleições.| Foto: Reprodução/Instagram/Pablo Marçal

Repercutiu, nos últimos dias, a decisão liminar que determinou a suspensão das contas oficiais de Pablo Marçal, coach e candidato à prefeitura de São Paulo. A decisão divide opiniões – opiniões políticas, é claro – afinal, decorreu de pedido do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e isso basta para que muitos a apoiem ou a rejeitem.

A decisão foi fundamentada no art. 300 do Código de Processo Civil, segundo o qual a liminar deve ser deferida quando há probabilidade do direito e perigo de dano. Foi proferida sem a prévia defesa de Pablo Marçal, que repentinamente teve as suas contas principais suspensas até o final das eleições. Cabe recurso.

O fato é que se ignorou o § 3º do mesmo art. 300, que prevê que a liminar não deve ser concedida quando há “perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”. A rigor, os efeitos dessa decisão são, sim, irreversíveis. É de difícil estimativa os prejuízos a um candidato sem as suas contas principais nas redes sociais até o final das eleições.

Provavelmente, o mais adequado seria que a Justiça Eleitoral tivesse o intimado para proferir a decisão apenas depois de sua manifestação. E isso gera mais polêmicas no primeiro processo eleitoral após o de 2022, marcado por controvérsias.

Muitas análises se limitaram a considerar o alvo da decisão – e não a decisão em si. A legitimação da decisão tem se pautado nas críticas pessoais a Pablo Marçal. Conforme exposto em reportagem, Isac Félix comentou o caso dizendo que “ele só fala besteira, tem mais é que tirar mesmo”. Se o critério para a suspensão de contas fosse a quantidade de besteira que determinado candidato fala, dificilmente teríamos políticos nas redes sociais.

A suspensão das contas de Pablo Marçal revigora, em última análise, os debates sobre a crise da democracia. O cientista político Sérgio Abranches apontou que viveríamos “O Tempo dos Governantes Incidentais” (Companhia das Letras, 2020). Para Abranches, governante incidental seria aquele que surge inesperadamente, a “zebra”, eleito por acaso. Nessa definição, Pablo Marçal seria o tal do governante incidental, caso eleito.

O termo “governante incidental” é pejorativo. Seria um risco à democracia. Questionável. Se a democracia é o regime que permite a participação dos cidadãos, deve-se admitir que até os novos políticos, inusitados, representem parcela da população.

Conforme relatado em introdução ao Dossiê política, direito e judiciário, “a justiça eleitoral, electoral management body, pouco frequente em outras democracias, é vista, por juristas e estudiosos da política brasileira, como a única forma de administração e jurisdição do processo eleitoral”. Possui, portanto, papel importante.

Sem entrar no mérito da decisão – se Pablo Marçal infringiu ou não normas eleitorais –, ela seria menos controversa se (i) tivesse sido concedida a oportunidade para que ele se defendesse previamente; e (ii) houvesse equidade na intensidade de penalidades entre os candidatos. Vale lembrar que Lula e Boulos fizeram propaganda eleitoral antecipada e a penalidade foi o pagamento de multa no valor de R$20 mil e R$15 mil.

Se o intuito da suspensão das contas era coibir figuras com atitudes como as de Pablo Marçal, o resultado não foi atingido. A popularidade do candidato aumentou ainda mais – resultado da indignação de uma coletividade que não necessariamente o apoiaria. Não foi o primeiro a perder redes sociais de forma controversa, e nem será o último.

O mesmo Sérgio Abranches defende que a democracia não convive com o silêncio, isto é verdade. Agora, se a democracia não convive com o silêncio, fica o convite para repensarmos sobre a adequação de medidas restritivas a figuras públicas que perdem suas contas em redes sociais. A melhor forma de preservar a democracia continua sendo através da reafirmação dos direitos fundamentais.

Não esqueçamos que o preâmbulo da Constituição é marcado pela afirmação de que o Estado Democrático é destinado a assegurar, dentre outros direitos, a liberdade.

 

 

 

 

Por Edson Francisco Rocha Neto é advogado e professor.

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