Opinião – Renda fixa x dividendos

Muita gente apenas olha o dividendo como rentabilidade de uma ação sendo que a variação do preço também faz parte dessa conta. Escreve Bruno Oliveira.

14/08/2025 06:40

“Ignorar isso seria como vender uma jabuticabeira apenas considerando suas jabuticabas”

Ilustrativa.

Parte das minhas férias durante a adolescência eu passei no sítio da minha avó. Lugarzinho bem parecido com filme de cinema: no alto de uma montanha, existia uma casinha simples, mas confortável, com duas redes na varanda e uma horta para cuidar. Jamais pensaria que essa memória pudesse servir como explicação para o mundo dos investimentos, mas, ao que tudo indica, cairá como uma luva.

Uma frequente – senão a mais recorrente – comparação que se faz é olhar a renda fixa e comparar com uma ação [renda variável]. Até aqui não vejo problemas porque boa parte das decisões que fazemos ao longo da vida passa por essa etapa. O problema é que, para comparar, precisamos, necessariamente, ver se isso é possível.

Colocar o dinheiro numa renda fixa de ‘bancão’ hoje em dia demanda alguns poucos cliques e… voilà: Habemus um investimento dito conservador. O mesmo vale para se tornar sócio de uma empresa listada na bolsa: alguns toques na tela do celular e você já pode ser considerado um acionista, por exemplo, do Itaú, o maior banco privado do Brasil, com mais de 100 anos de existência.

Além da facilidade, precisamos observar sempre a tão desejada remuneração, ou, de forma mais categórica, a rentabilidade do investimento. Mas é aqui que a ‘vaca começa a ir pro brejo’, como diria a minha avó. Para que possamos, de uma vez por todas, acabar com alguns erros de compreensão, farei uso das minhas lembranças da minha juventude.

Tudo começa com o ato de colocar a semente debaixo da terra. Isso seria equivalente ao investimento em si. Tirar o dinheiro do bolso e comprar títulos de renda fixa ou adquirir ações de empresas listadas na bolsa de valores. Outro elemento em comum é que ambos – plantar uma semente ou investir – demandam tempo para que os resultados apareçam. E não adianta tentar acelerar o processo; ele deve ser respeitado.

As diferenças se manifestam quando você percebe que a semente de jabuticaba se assemelha muito ao investimento em ações; e a da alface, ao CDB de ‘bancão’ (para quem não está habituado, ao emprestar dinheiro para um banco qualquer, você está investindo num produto que se chama CDB; se deixar seu dinheiro emprestado com o governo, chamamos de ‘investimento em título da dívida pública’).

Começando pela jabuticabeira, que demora mais de uma década para dar frutos, e que demanda de você apenas paciência e cuidados para que a árvore não seja atacada por pragas. Mas uma vez que os frutos começaram a surgir, você é agraciado, pelo menos, três vezes por ano com mais e mais frutos. Por quanto tempo? Se você for cuidadoso, deixará de herança para seus filhos uma árvore, que, além de frutífera, possuirá uma frondosa sombra que trará paz e conforto por uns 100 anos. Esse é o típico investimento bem sucedido em ações: demora para ver resultados, mas quando eles aparecem, você se sente seguro e tranquilo pelas decisões que fez no passado. Apenas cuidado para que aquele contexto perdure por mais longos anos.

Já no caso do alface, a conversa é mais sucinta. Plantou, regou, cresceu, arrancou pela raiz e fim da história. Em menos de dois meses, o ciclo de vida completo da hortaliça já é completado e, caso você queira mais alface, precisará começar tudo de novo com mais sementes. Perceba que o investimento em renda fixa tem o mesmo comportamento cíclico: investiu, esperou valorizar, pagou os impostos, sacou o restante e colocou no bolso.

Uma vez entendido o funcionamento, vamos para a comparação que muitos erram sem perceber: a rentabilidade. Uma semente de jabuticaba rende uma árvore e seus frutos; uma semente de alface rende o pé de alface, certo? Essa é a mesma ideia que devemos fazer quando olhamos para um título de renda fixa e um investimento em ação. Contemplar o todo e não apenas parte.

Muita gente apenas olha o dividendo como rentabilidade de uma ação sendo que a variação do preço também faz parte dessa conta. Ignorar isso seria como vender uma jabuticabeira apenas considerando suas deliciosas jabuticabas e ignorar o valor que há na árvore em si. É rigorosamente o mesmo raciocínio que deve ser usado nos investimentos: se você quiser comparar renda fixa com renda variável, faça corretamente usando não somente os proventos recebidos, mas a variação do preço da ação versus o valor final obtido com a renda fixa.

Em tempo: em termos técnicos, considerar a variação patrimonial de uma ação e os proventos pagos pela companhia tem o nome de retorno total ao acionista. Essa sim é a métrica adequada para comparar a rentabilidade de um produto de renda fixa. O problema é que o valor da ação pode aumentar ou diminuir, tornando a comparação projetiva praticamente impossível; mas ainda assim há valor em estudos retrospectivos.

 

 

 

Por Bruno Oliveira é analista do Vida de Acionista

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