Cartão Vermelho para o trabalho infantil

13/06/2010 09:52

O início da Copa do Mundo de Futebol coincide, neste ano de 2010, com a data que destaca a união de esforços e a cobrança de compromissos para combater o trabalho infantil, em todo o planeta. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) escolheu o dia 12 de junho, simbolicamente, como importante marco para a conscientização e advertência quanto à responsabilidade das famílias, da sociedade e dos governos, diante de uma das maiores chagas sociais da humanidade: a exploração de crianças e adolescentes no trabalho.

No Brasil, os últimos dados estatísticos apresentados pelo IBGE, referentes ao ano de 2008, indicam a existência de cerca de 4,5 milhões de meninos e jovens inseridos no trabalho, na faixa etária dos 5 aos 17 anos de idade, sendo 993.000 crianças entre 5 e 13 anos. Mais de 60% destas crianças não recebem remuneração pelo trabalho e o restante aufere menos da metade do salário mínimo. Os serviços são realizados, em sua maioria, em situação degradante e indigna, com exposição a riscos ambientais e sociais. Não são poucos, também, os registros de abuso e exploração sexual e de envolvimento com o consumo e tráfico de drogas, em decorrência da exposição ao trabalho precoce, principalmente aquele realizado em locais públicos.

De acordo com a pesquisa, o Estado do Rio Grande do Norte possui aproximadamente 85.000 crianças e adolescentes, na faixa dos 5 aos 17 anos, trabalhando  em situação irregular, principalmente no setor da agricultura de subsistência, no serviço doméstico, nas ruas, em feiras livres, em matadouros públicos, em casas de farinha e na condição de vendedores ambulantes. A redução deste número, em comparação o que apurado no ano de 2007, correspondeu a apenas 1,55%, o que revela a insuficiência e a desestrutura  da atuação dos órgãos e instituições, públicos e privados, que integram a rede de proteção à infância e à juventude. 

É necessário, assim, que se amplifique cada vez mais a denúncia contra a injusta e reiterada condenação que têm sofrido esses milhares de seres humanos, desprotegidos e ceifados dos direitos básicos que, paradoxalmente, são-lhes garantidos, de forma eloqüente, pela Constituição da República, e por normas internacionais, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1990, ambas adotadas pela ONU – Organização das Nações Unidas. 

Em nossa cultura, encontram-se ainda arraigados alguns mitos ou falsos dogmas, que são utilizados hipocritamente para se defender e tolerar o trabalho infantil, não obstante as evidências da sua prejudicialidade e os efeitos social e economicamente nefastos da sua existência. Há quem defenda, por exemplo, a ideia absurda de que “o trabalho é formativo para a criança, constituindo uma escola de vida que a tornará um homem mais digno”, ignorando a realidade como ela é: o trabalho precoce, em suas variadas configurações, é deformador da infância, resulta em sérios problemas de saúde física e psíquica, afasta a criança da escola e lhe subtrai uma fase essencial da vida, com sequelas irreversíveis. A criança que trabalha se submete a jornadas extenuantes, entristece, se deprime, perde os referenciais da idade, e, ainda, torna-se muito mais vulnerável à exploração e à ocorrência de acidentes.

O trabalho infantil, portanto, é questão se insere na órbita da exigência impostergável do respeito aos direitos humanos fundamentais. Por isso é que devem ser enfrentadas e denunciadas todas e quaisquer justificativas culturais e econômicas manipuladas para a defesa do trabalho precoce. É preciso assegurar o discurso emancipador dos direitos humanos da infância e adolescência. E a partir desse novo discurso construir-se também uma prática renovada e efetiva de prevenção e erradicação do trabalho infantil.

Devemos, enfim, não apenas torcer pelo Brasil nesta Copa do Mundo, mas assumirmos, verdadeiramente, a condição de árbitros da peleja das crianças, e, por justiça, levantarmos um cartão vermelho para o trabalho infantil.

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