Clima: negociações patinam na ONU, enquanto impactos disparam

07/08/2010 10:13

As negociações sobre o clima com vistas a reduzir a ameaça representada pelo aquecimento global estão retrocedendo, mesmo diante das crescentes evidências dos impactos causados pelas alterações no clima, concordaram nesta sexta-feira delegados de países ricos e em desenvolvimento, ao final de uma semana de trabalhos em Bonn (Alemanha).

Segundo os negociadores, as chances para o fechamento de um acordo de compromisso sob o guarda-chuva da Convenção-marco das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC, na sigla em inglês), que reúne 194 países, estão se esvaindo em meio às trocas de acusações.

Temperaturas recordes globais, incêndios florestais na Rússia, inundações mortais no Paquistão “são todos consistentes com o tipo de mudanças que podemos esperar das mudanças climáticas, e vão piorar se não agirmos rapidamente”, disse o negociador americano Jonathan Pershing.

“Infelizmente, o que vimos se repetir esta semana é que alguns países estão retrocedendo do progresso feito em Copenhague”, contou a jornalistas, referindo-se ao acordo fechado no apagar das luzes da última conferência mundial sobre o clima, celebrada na capital dinamarquesa, em dezembro passado.

“Se continuarmos pelo mesmo caminho, não há chances para um acordo”, lamentou.

O Acordo de Copenhague contemplava a meta de conter a elevação das temperaturas globais a 2 graus Celsius, mas não reuniu os comprometimentos necessários para alcançá-la.

O documento também prometeu um financiamento de longo prazo de até 100 bilhões de dólares por ano para ajudar os países pobres a “limpar” sua economia e lidar com os impactos das mudanças climáticas, mas sem especificar de onde o dinheiro viria.

Princípios amplos para o monitoramento de cortes de emissões e transferência de tecnologia também ficaram de fora.

Até mesmo estas conquistas incompletas estão correndo risco, afirmou o belga Peter Wittoeck, falando em nome da União Europeia.

“É decepcionante ver que alguns países que se associaram ao Acordo estão dissociados de seu consenso político”, afirmou.

Dessima Williams, de Granada, representante da Associação dos Pequenos Estados insulares, integrada por 43 nações, disse estar “profundamente preocupada” com a lentidão das conversações.

“A situação no terreno para todos os nossos países está piorando”, disse durante entrevista coletiva.

Mas mesmo em áreas onde o acordo já foi alcançado, como transferência de tecnologia e gestão florestal, “parece ter havido retrocesso. Isto é muito lamentável e muito insalubre”, acrescentou.

O provável fracasso do Congresso americano em aprovar a lei do clima este ano também influenciou as negociações, afirmaram muitos delegados.

“Ouvi muitos dizerem que não é encorajador para o processo”, disse Wittoeck.

Os grandes emergentes, como a China e a Índia, têm resistido a requisitos legalmente vinculantes para o corte de emissões, afirmando que os países ricos historicamente responsáveis pelo aquecimento global precisam assumir a liderança.

Esforços para bater o martelo sobre um esboço de texto negociador antes da próxima Cúpula do Clima, ao fim do ano, no México, também sofreu um golpe, com muitos países desistindo de inserir adendos no último minuto.

“Andamos para trás em comparação com o início do ano, e temos um texto ilegível cheio de colchetes e opções”, disse à AFP um negociador europeu, que pediu para ter sua identidade preservada.

Resta apenas uma sessão de negociações – de 4-9 de outubro, em Tianjin, China – antes da cúpula do México, e espera-se que sirva, na melhor das hipóteses, para finalizar alguns trechos de um acordo futuro legalmente vinculante.

Enquanto isso, segundo cientistas do governo americano, os seis primeiros meses de 2010 registraram as maiores temperaturas terrestres e marítimas desde 1880, quando começaram a ser realizadas medições confiáveis de temperatura.

A cobertura de gelo no Ártico – um outro indicador importante do aquecimento global – encolheu mais do que nunca antes de 1º de julho.

De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), sem que as emissões de gases de efeito estufa sejam detidas, o termômetro mundial pode aumentar até 6 graus Celsius, em comparação com níveis pré-industriais, tornando grandes áreas do planeta inabitáveis.

Compromissos nacionais voluntários assumidos em Copenhague só conseguiriam conter a elevação de temperatura entre 3,5º C e 4ºC, ainda muito acima do limite de 2ºC, que muitos cientistas apontam como o limiar para um aquecimento catastrófico do clima no planeta.

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