04/01/2011 08:16
Parte da comunidade científica ligada ao planejamento florestal trabalha com o conceito de que, para restaurar áreas degradadas, não é necessário adotar somente o plantio usual de mudas de espécies nativas. O biólogo Ingo Isernhagen compartilha desse propósito. Inserido no Programa de Pós-graduação em Recursos Florestais da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ), Ingo é autor da tese “Uso de semeadura direta de espécies arbóreas nativas para restauração florestal de áreas agrícolas, sudeste do Brasil”. Orientado pelo professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas (LCB), o pesquisador indica que a semeadura direta pode, em alguns momentos, ser uma dessas técnicas alternativas de restauração florestal. “Entre essas técnicas alternativas podemos citar, além da semeadura direta, a indução e condução da regeneração natural, o transplante de plântulas e bancos de sementes, o adensamento e enriquecimento de florestas com algum grau de degradação, entre outros”.
O estudo partiu da observação da necessidade de criar métodos alternativos ou complementares para o plantio de mudas de espécies arbóreas nativas para restauração florestal de áreas degradadas, eficientes do ponto de vista técnico e econômico. “O trabalho teve como objetivo geral avaliar a eficiência técnica e econômica da semeadura direta de espécies arbóreas nativas para a colonização inicial de áreas agrícolas abandonadas com baixa capacidade de auto-regeneração e para o enriquecimento de áreas florestais restauradas com baixa riqueza de espécies”, conta o biólogo.
Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a pesquisa foi desenvolvida em duas áreas experimentais localizadas em duas Áreas de Preservação Permanente (APP) na Usina São João (USJ), em Araras (SP). Entre os anos de 2006 e 2007, pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (LERF), coordenado pelo professor Ricardo Rodrigues, realizaram o Programa de Adequação Ambiental da USJ. “Naquela época foram realizados os primeiros contatos com os administradores, especialmente do Programa Margem Verde, que já executava plantios de árvores na usina, sobre o interesse em utilizar áreas com passivo ambiental para implantação de experimentos de restauração florestal pelo LERF”, relata Ingo Isernhagen. Além de ceder as áreas, a equipe do Programa Margem Verde forneceu mão-de-obra e alguns insumos, sendo imprescindível para a implantação e acompanhamento do projeto.
Assim, especificamente nesse projeto, foram testadas diferentes densidades de sementes de espécies arbóreas nativas necessárias para a ocupação inicial das áreas degradadas. Uma vez instalados os experimentos, avaliaram-se também o tempo para ocupação dessas áreas e os investimentos financeiros necessários, além de parâmetros de desenvolvimento da comunidade florestal. Para a primeira ocupação da área degradada foram utilizadas espécies arbóreas nativas de rápido crescimento e que fornecessem boa cobertura de copa (semeadura de preenchimento, com espécies denominadas “espécies de preenchimento”). Algumas das espécies utilizadas para preenchimento foram timboril (Enterolobium contortisiliquum), mutambo (Guazuma ulmifolia), lobeira (Solanum lycocarpum), pau-cigarra (Senna multijuga), monjoleiro (Acacia poliphylla), paineira (Ceiba speciosa), sangra-d’água (Croton urucurana), capixingui (Croton floribundus), canafístula (Peltophorum dubium), entre outras.
Uma vez ocupadas as áreas, foi feita a semeadura de enriquecimento, com espécies diferentes das primeiras, promovendo a auto sustentabilidade da floresta. Nessa etapa, foram plantadas espécies como jatobá (Hymenaea courbaril), cedro (Cedrela fissilis), cabreúva (Myroxylon peruiferum), jequitibá (Cariniana estrellensis), pau-marfim (Balfourodendron riedelianum) e a copaíba (Copaifera langsdorfii), entre outras trinta espécies. Os resultados mostraram que houve excelente cobertura da área degradada em cerca de dois anos e meio, período semelhante ao que normalmente acontece com o plantio de mudas. As densidades testadas permitiram também a formação de uma comunidade florestal mais densa do que a formada por plantios de mudas em espaçamento 3m x 2m (mais comum). Enquanto nesse método a densidade é de 1.666 indivíduos/hectare, na semeadura direta alcançaram-se densidades estimadas entre 1.215 e 13.000 indivíduos/hectare.
“O custo para aquisição de sementes para obter uma muda no campo a partir de semeadura direta da maioria das espécies utilizadas pode ser duas a três vezes menor que o preço de uma muda em viveiro. Portanto mostramos um método viável tanto técnica como economicamente para a ocupação inicial de áreas agrícolas abandonadas com baixa capacidade de regeneração”, revela o pesquisador. Contudo, Ingo pondera que a efetividade pode variar consideravelmente em função das espécies utilizadas e das condições ambientais, especialmente do solo, ressaltando-se a necessidade de um diagnóstico adequado do local a ser restaurado. “Ressalte-se que o método pode e deve ser adotado de forma complementar ou associado ao plantio de mudas, e não necessariamente substituir o mesmo. Não foi possível avaliar, durante o tempo de execução da tese, se a semeadura direta de enriquecimento é viável técnica e economicamente, mas os resultados preliminares também indicam que o método é promissor, podendo ser adotado inclusive para outras formas biológicas, como arbustos e lianas”.
Ingo salientou também que é importante desenvolver o manejo de sementes de espécies nativas, desde a colheita no momento apropriado até o armazenamento. “A qualidade do lote de sementes pode ter implicações diretas, junto a outros fatores de campo, no sucesso do método. Necessário atentar ainda para problemas relacionados à infestação por plantas daninhas (especialmente nos primeiros meses após a semeadura), ao revolvimento do solo por animais, à predação por formigas e à profundidade em que é colocada a semente, entre outros fatores que devem ainda ser melhor estudados”, conclui.