A praga do futebol

05/09/2011 09:25

Numa das grandes obras da literatura brasileira, “Macunaíma”, o sr. Mário de Andrade coloca o herói do livro a inventar o futebol e adjectiva-o, de forma bondosa, como uma “praga”, da mesma família do bicho-do-café e da lagarta rosada. Talvez exagerasse. O futebol pode e deve ser um divertimento e não um roedor sem juízo. Mas hoje em dia há quem, nos chamados clubes profissionais, pugne por tornar o futebol uma soma de vários dos sete pecados mortais. A gula, a luxúria, a inveja e a soberba correm livres pelo mundo do futebol global, onde os adeptos são tratados cada vez mais apenas como consumidores: de jogos pela televisão paga, de “merchandising”, de bilhetes cada vez mais caros. Tudo o resto é um gigantesco circo onde tudo cheira a negócio puro e simples. Será mesmo uma praga?

Esta janela de transferências que agora terminou mostra o absurdo que se vive no futebol indígena. Os três principais clubes torraram mais de 100 milhões de euros em jogadores enquanto muitos dos sub-20 nacionais emigraram para clubes de futebol da Itália ou da Suíça porque não têm uma oportunidade nos clubes portugueses. É uma opção económica que nada tem a ver com a lógica ou a racionalidade. Jogadores como alguns dos sub-20 que, no futuro, se poderão tornar grandes craques não geram agora comissões chorudas. O que faz com que empresários inteligentes os coloquem a rodar em clubes secundários à espera que as galinhas cresçam. No meio de tudo isso os grandes clubes esbanjam dinheiro comprando tudo o que move.

A mais intrigante estratégia desta temporada é a do Sporting. Comprou 16 jogadores (a generalidade dos quais não fazem parte das primeiras escolhas do treinador, sr. Domingos Paciência). E, por último, comprou um jogador ao Atlético de Madrid (clube de onde veio, por valor quase semelhante, o sr. Roberto para o Benfica, num negócio que deixou meio mundo de boca aberta), o sr. Elias, que tem a qualidade de não poder jogar na próxima fase da Liga Europa. A saga compradora, que levou a que o Sporting tivesse acumulado nos seus quadros cinco defesas-esquerdos (talvez para fomentar a competição…), fez com que tivesse também feito excelentes negócios de venda. O sr. Postiga, assobiado pelos adeptos, mas primeira escolha para o 11 do sr. Domingos, foi colocado no aeroporto por 500 mil euros (os outros 500 mil vão para o FC Porto!) e o sr. Djaló, como só decidiu a uns minutos da meia-noite que queria ir para França, ainda se arrisca a voltar a Alvalade. No meio de tudo isto o volume salarial do Sporting deve fazer tremer Fort Knox e a Academia, de onde deveriam vir os craques para garantir receitas, deve ser transformada em museu. O sr. Mário de Andrade tinha razão: o futebol tornou-se uma praga.

Por:Fernando Sobral, Grande Repórter do Jornal de Negócios.

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