08/11/2011 08:57
O Censo da Educação Superior 2010 confirma que as estatísticas podem não mentir, mas quase sempre omitem parte da verdade. Divulgado nesta segunda-feira, o estudo aponta, por exemplo, que o número de matrículas no ensino superior aumentou 110% entre 2001 e 2010. Mas a papelada esquece de registar que o número de jovens (entre 18 e 24 anos) matriculados em cursos superiores cresceu apenas 2,4 pontos percentuais no mesmo período – de 12%, em 2001, para 14,4%, em 2010, segundo dados do próprio Ministério da Educação (MEC). Segundo o Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010, o governo federal pretendia chegar a 30%.
Como não conseguiu atingir nem metade da porcentagem, o novo PNE, que faz previsões para a próxima década, resolveu repetir a meta. Agora, espera-se atingir 33% de jovens matriculados no ensino superior. Só que o prazo se estendeu até 2020. “Quando observamos esses números, percebemos que ainda estamos engatinhando”, constata Mozart Neves Ramos, membro do Conselho Nacional de Educação e conselheiro do movimento Todos pela Educação. “O México e o Chile têm de 30% a 40% dos jovens no ensino superior. Na União Europeia, o número salta para 70%”. A informação ajuda a explicar por que – apesar da chiadeira do governo federal – o Brasil continua na 84ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
A classe C – Para Ramos, a baixa qualidade dos ensinos fundamental e médio é uma das explicações para o reduzido número de jovens brasileiros matriculados em universidades. Quando entram na universidade, muitos estão despreparados para acompanhar as aulas e desistem facilmente. Em março deste ano, numa entrevista ao site de VEJA, Eduardo Alcalay, diretor-presidente da Universidade Estácio de Sá, contou que a faculdade implantou aulas de reforço escolar de português e matemática para tentar mudar tal realidade. Na mesma época, Heitor Pinto Filho, então reitor da Uniban, revelou que a taxa de evasão chegava a 15% no primeiro ano – justamente porque as aulas mais complexas eram incompreensíveis para alguns alunos.
Além do déficit de aprendizado, as desistências no meio do curso universitário são causadas por dificuldades financeiras e pelo próprio perfil do estudante da classe C – público alvo das grandes universidades privadas do país. “Nosso estudante padrão vem de uma classe social baixa e frequenta o curso noturno, depois de ficar o dia inteiro no trabalho”, informou Pinto Filho. “A família desse aluno sai de uma categoria D e vai para uma B justamente por causa desse estudante. Na maioria das vezes, ele é a primeira pessoa a conseguir fazer uma faculdade naquela casa”. Alcalay resume o objetivo das dessas instituições de ensino: “O que queremos é que o aluno chegue aqui como um office boy que ganha 1.000 reais por mês e saia um analista contábil ganhando 3 mil reais”.
Presencial X a distância – O perfil desse novo estudante universitário é exposto no censo 2010. Na última década, as matrículas em cursos noturnos, por exemplo, passaram a representar 63,5% do total – contra 56,1% em 2000. Nas instituições privadas, elas correspondem a 72,8% das matrículas. Embora se note um certo imobilismo no universo de estudantes matriculados em cursos universitários presenciais, aumentou consideravelmente a procura por cursos tecnológicos e a distância. Em 2001, os cursos tecnológicos registravam 69.797 matrículas. Em 2010, o número saltou para 781.609.
Hoje, a modalidade não-presencial representa mais de 14% dos estudantes do ensino superior. Segundo o censo, a faixa etária média desses alunos é de 33 anos (contra 26 do ensino presencial). Isso significa que um contingente significativo não teve chances de ingressar numa faculdade na idade adequada. A procura também é explicada pela flexibilidade de horários, uma vez que muitos já estão inseridos no mercado de trabalho.
“O Brasil se tornou economicamente mais competitivo”, explica Célio Cunha, professor do programa de doutorado na área de educação da Universidade de Brasília (UnB). “Isso explica o aumento na procura por cursos tecnológicos, que têm como função diminuir a carência de mão de obra especializada”. Embora elogie o aumento dos cursos a distância, “uma tendência mundial”, Cunha adverte: “É preciso que eles sejam avaliados com mão firme, para que possamos garantir a qualidade”.
Outro ponto levantado pelo censo é que a participação percentual no número de matrículas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste aumentou de 2001 para 2010. Em contrapartida, houve um decréscimo da participação das regiões Sudeste e Sul. Enquanto o volume de nordestinos matriculados em universidades representava 15,2% do total do país há uma década, em 2010 foi de 19,3%. Os universitários do Sudeste eram 51,7% em 2001. Em 2010, 48,7%. As mulheres continuam em maioria: 56,3% em 2001 e, 10 anos depois, 57%.
O docente – Tanto Cunha quanto Ramos acreditam que a qualidade do ensino fundamental e médio e, consequentemente, a do superior, só será alcançada com a valorização do corpo docente. “A escola tornou-se desinteressante, os currículos estão defasados”, argumenta Cunha. Ramos afirma que o magistério precisa se tornar uma carreira atraente, o único caminho para se formar bons professores.
Ex-secretário da educação de Pernambuco, Ramos insiste numa questão que considera fundamental. “É preciso saber que faculdades diferentes têm missões diferentes”, compara. “Não é necessário que todas as universidades tenham a excelência em pesquisa de uma USP tem. Uma instituição localizada no interior do Nordeste pode, por exemplo, formar professores para trabalharem naquela zona. Isso não a desmerece”. É por isso, insiste, que deveria haver avaliações diferentes para universidades públicas e privadas, ou mesmo para as diferentes regiões brasileiras.
De acordo com Ramos, o s 33% pretendidos pelo PNE só serão alcançados com essas três mudanças básicas: maior qualidade dos ensinos fundamental e médio, qualificação do corpo docente e avalições diferenciadas para as várias universidades. Quem sabe assim as estatísticas se aproximarão um pouco mais da verdade.
Fonte:VEja