13/05/2013 11:35
Nesta segunda-feira (13), o Porto de Salvador comemora 100 anos de fundação. Localizado na Baía de Todos-os-Santos, a estrutura, que já foi o primeiro na economia do país e prinicipal porto da América do Sul, hoje atua entre a 10ª e 12 ª colocação no ranking dos portos brasileiros, com escoação principalmente de produtos e matérias-primas consumidas no Brasil.
Para lembrar a data, o G1 visitou o local, que passa por uma reforma e ampliação do terminal marítimo e dos galpões, e ouviu usuários, especialistas e a federação das indústrias, que avaliaram a atual estrutura do equipamento para o crescimento da economia baiana – que foi de 3,5% em 2012. As fontes ouvidas apontaram a necessidade de novas obras e ampliações para desenvolver a região, considerada privilegiada pela localização e com potencial para escoar “até o dobro do que hoje exporta”, como acredita Paulo Villa, presidente da Associação de Usuários do Porto (Usuport).
O Porto do Brasil, como era chamado, foi criado em 13 de maio de 1913, a partir do Decreto nº 11.236, de 21 de outubro de 1914. Professor de História da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Eduardo Borges explica que a escolha do local do porto tem relação direta com o desenvolvimento da própria cidade. Thomé de Sousa, primeiro Governador Geral, escolheu a área onde fica o Elevador Lacerda para montar o centro administrativo da província. Na região, por onde também se desenvolveu o Centro Histórico, até hoje está o Palácio Rio Branco, antiga casa do governo, e ao redor demais prédios antigos, como a câmara dos vereadores. O porto foi criado logo abaixo daquela região pela proximidade das ladeiras que davam acesso à primeira área habitada, como as ladeiras da Paciência e da Preguiça.
“A partir daí se desenvolveu a área embaixo, que era e até hoje é chamado de Comércio, porque era onde se faziam os negócios. Lá também se desenvolveu a alfândega, trapiches, toda aquela estrutura”, explica o histroriador. Ainda segundo Borges, o porto de Salvador chegou a ser o segundo do império português em termos de movimentação de mercadorias e pessoas. “Por conta do açúcar, do fumo, e do tráfico de pessoas, a escravidão, que é outro elemento importante”, explica.
Paulo Villa, diretor da Usuport, relata como o porto perdeu a importância que já teve e hoje figura entre a 10ª e 12ª posições em relevância nacional. “No início do século 19, ele ainda era o maior porto do hemisfério sul. Depois, perdeu importância por alguns fatores. Primeiro foi o início da navegação a vapor, o fim dos barcos com propulsão a vela. Depois, a questão de movimentação de mercadorias que exigiam um cais. E nós não tínhamos cais. A Baía de Todos-os-Santos era só um porto, porque os navios paravam ao lado e as mercadorias eram transportadas em barcaças, as chamadas alvarengas. As atas da Associação Comercial da Bahia mostram que, por volta de 1850 os comerciantes já reclamavam a construção de um porto com cais. E isso só foi inaugurado com mais de 60 anos depois, em 1913. O porto todo foi completado no início da década de 20 e há mais de 45 anos teve uma intervenção considerável, onde hoje está o terminal de contâiners”, explica.
Administrador e usuário
O porto é administrado pela Companhia de Docas da Bahia (Codeba), órgão vinculado ao Governo Federal. O presidente, José Muniz Rebouças, diz que hoje o porto da capital trabalha basicamente com a exportação de grãos, passageiros e contêiners. “Fugiu disso é algo temporário. Como agora temos operação de carros, mas é temporário, com data para terminar”, pontua.
Para Rebouças, o complexo portuário da Bahia, que inclui o porto de Salvador, o de Aratu e outros seis terminais privados, é classificado “como um complexo bom, de grande porte”, diz. Segundo o administrador, a concepção do porto de Salvador e o de Aratu é a de um único equipamento, porém descontinuado. “Em Aratu, temos um porto com característica puramente industrial, polo, indústria de cobre, fertilizante. Então, o de lá complementa o de cá [Salvador]”, diz.
Na opinião do diretor da Usuport, o porto de Salvador deveria ser maior. “Nas cargas conteineirizadas nós temos apenas um terminal. O porto poderia ter uma configuração em que abrangesse mais um ou dois terminais de contêiners. Nesse ponto, é um porto pequeno, por causa da não ampliação que é necessária para o estado desde 2005”, opina.
Villa ainda questiona: “Qual a consequência disso? Retira a competitividade do estado da Bahia, causa problemas de gerações de riquezas. Por que hoje você tem o estado com a arrecadação pequena, segundo o governo? Porque o porto é decisivo, é estratégico para a economia. Ele é um fator da pequena arrecadação de ICMS e demais tributos. O que temos é o inverso, o porto tem sido uma barreira ao desenvolvimento”, diz.
A Codeba informou que entre 2009 e 2013 foram realizadas obras de dragagem, com aprofundamento para 15 metros na área do cais, ampliação do terminal de contâiners, aquisição de novos equipamentos, implantação de um novo terminal especializado em trigos, além do novo terminal marítimo de passageiros. “90% do market share [participação de mercado] dos novos equipamentos vem da China”, lembra Rebouças. Para ele, além de um bom porto, é importante lembrar do sistema de transporte que precisa estar em torno para melhorar custos, baratear preços e aumentar a competitividade no mercado.
“Por que o americano se dá muito bem dentro dos transportes de grão, por exemplo? Porque ele pega da fazenda, leva para a celagem ao lado, que leva para a hidrovia, que segue para a ferrovia, que leva até o porto. Ele integra o que tem de mais econômico, ou seja, mais barato e rápido. A gente, não, o Brasil como um todo”, comenta. Ele também dá o exemplo de que hoje o país “produz cerca de 68 milhões de toneladas de grãos no norte e isso tudo sai pelos portos no sul. Tudo de caminhão, é uma loucura”, comenta.
Rebouças lembra da Via Expressa, pistas em construção na capital e que prometem levar os caminhões diretamente da BR para o porto, mas aponta a necessidade de que os governos invistam em modelos de modais, onde o trem, a estrada e os rios e mares estejam interligados, como no exemplo norte americano. “Só se fala em rodovia. Rodovia mata [acidentes], fica saturada, ninguém aguenta e transporta pouco e caro. Ate 400 quilômetros você pode ir com o rodoviário, a partir daí você tem que começar a estudar modal, ferroviário, hidroviário, para ter eficiência logística”, diz. Ele ainda lembra que, por conta dos entraves logísticos, parte da farinha consumida na Bahia, por exemplo, vem do Paraná e o arroz, do Rio Grande do Sul.
Federação das Indústrias
A opinião da Usuport é semelhante à compartilhada pela Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb). De acordo com Reinaldo Sampaio, vice presidente e coordenador do Comitê de Portos da entidade, os entraves da questão portuária não são restritos somente à Bahia.
“Os portos respondem por mais de 90, quase 95% do transporte do nosso comércio internacional. Daí a importância de que essas estruturas portuárias sejam modernas, eficientes, bem equipadas, tanto estrutura física, equipamento, cais, berços, terminais, quanto de condições de acessibilidade dos navios, principalmente no que diz respeito à profundidade. Sendo essas necessidades fundamentais, é esse padrão que deveria ser dado a esses equipamentos. O Brasil tem grande carência dessas qualificações, e a Bahia tem uma carência ainda maior, nossos equipamentos portuários estão despreparados do ponto de vista do desafio da competitividade”, alerta.
O vice presidente salienta que o problema não é recente. “É reflexo de décadas de falta de investimento nos portos brasileiros e na Bahia. Desde a década de 80, não se investe por varias razões: Porque antes a resolução não ajudava, o estado que fazia e o estado brasileiro mergulhou em uma crise. Depois de 93, veio a lei da modernização dos portos, abriu-se um horizonte de possibilidades e avançou-se, mas aquém do que deveria. A gestão portuária brasileira não foi capaz de promover a atração dos capitais privados. E na Bahia foi pior ainda, porque em 19 anos de vigência da lei, só fomos capazes de fazer a concessão de um terminal, que quando foi feito ele já nasceu insuficiente, tímido e inadequado para o tamanho da economia do estado”, salienta.
“Isso é injustificável, porque a Bahia tem uma importância econômica, dimensão territorial, base industrial, temos 50% do setor industrial de todo o nordeste, praticamente, temos importância relativa do ponto de vista econômico e do agronegócio. Se listarmos os principais produtos agrícolas do nordeste, temos a liderança em quase todos na pecuária e na agricultura. Como pode um estado com esta importância econômica, estar desprovido de portos eficientes e modernos? Principalmente porque as condições da baía nos dá a possibilidade que nenhum outro sítio portuário oferece, por ser de águas abrigadas, tranquilas, com profundidade um canal natural de acesso ao porto”, diz Sampaio.
Para o coordenador da Fieb, além do maior investimento público, uma das alternativas para fomentar o desenvolvimento dos portos seria a atração de empresas privadas para o setor. “Não é possível mais continuar como está. Isso é algo que nós precisamos, de fato, superar, e é possível superar. Eu diria até que, nas interlocuções com o estado, o governo concorda, entendemos que os portos chamados organizados (e eu não sei se o nome é mais adequado) estão sob controle do governo federal, e não estadual, mas entendemos que governo e sociedade, entidades, precisam agir de maneira determinada para que essa realidade se altere”, comenta.
De acordo com os dados da Codeba, nos últimos três anos foram investidos mais de 300 milhões nos portos de Salvador e Aratu, entre verbas públicas, aproximadamente 120 milhões, e privadas, com cerca de 210 milhões de reais.
Novo Terminal Marítimo
O governo do estado, em parceria com a Companhia das Docas, prepara um novo terminal marítimo para receber os turistas na capital. Inicialmente, a nova praça do local seria inaugurada nesta segunda, mas a companhia enviou uma nova previsão e a inauguração está marcada para o mês de agosto.
“O mercado do terminal de passageiros vem evoluindo. A partir da Copa do Mundo, que se viu que cidades portuárias também seriam sedes, se instituiu um programa de investimento [PAC 2 Copa] para aparelhar os terminais de passageiros, visando ter uma recepção de turistas nesse momento, ou ainda navios servindo de hoteis. Você não precisa fazer investimento de hoteis para uma atividade que tem um pico de uma semana, algo que já é feito muito na europa, por exemplo”, explica Muniz Rebouças, presidente da Codeba.
Segundo a companhia, as obras do novo terminal estão com 65% das obras concluídas. O equipamento terá uma estrutura de 3,4 mil metros quadrados, uma área de lazer, alfândega, polícias, Anvisa, Receita Federal, restaurantes e uma praça. De acordo com as informações da Codeba, a Bahia tem a maior movimentação de turistas do Nordeste e, somente no verão de 2012, recebeu 114 cruzeiros, divididos em aproximadamente 260 mil passageiros.
“Não queremos só ser porto de trânsito, mas porto de nascimento de cruzeiros, por exemplo, um cruzeiro Salvador-Manaus. É isso que queremos no futuro. Hoje nos estruturamos para isso, porque quando você tem o embarque e desembarque no seu porto, as pessoas chegam na véspera para conhecer a cidade. Você tem aí agregado todo um pacote turístico na cidade, de utilização de hotéis, aviões, usar a cidade, isso agrega valor, e muito”, estima Rebouças.
O projeto do novo terminal foi realizado pela Codeba e pela Fundação Mário Leal Ferreira, sob a supervisão do Departamento de Infraestrutura de Transporte da Bahia (Derba). A previsão de investimentos no terminal é de R$ 30 milhões.
Paulo Villa, diretor da Usuport, comemora, mas acredita que um maior investimento no terminal também seria possível. “Tudo que se faz eu tenho que dizer que é bem vindo. Para quem não tem nada, é bom ter mais alguma coisa. Mas a capacidade turística da Bahia e de atrair cruzeiros é muito maior do que essa estação que está sendo inaugurada. É uma pequena estação, bem vinda, mas somos muito maiores do que isso. O potencial do estado é muito maior. O potencial do porto é muito maior, da Baía de Todos os Santos é muito maior e a obra é pequena. Por exemplo, a obra de Fortaleza é cinco vezes mais em recursos que a da Bahia, porque Fortaleza gerou um bom projeto. Nós, como especialistas em portos, entendemos que esse é um projeto pequeno”, comenta.
Números da economia
Segundo os dados da Fieb, a corrente de comércio baiano gira em torno dos $ 19 bilhões ao ano, divididos em $ 10 bilhões de exportações e outros oito de importação em dados de 2012. Os números colocam o estado com aproximadamente 6% da economia nacional e 56% do comércio internacional da região nordeste.
“É pouco para o que a Bahia a poderá ser no futuro. A principal base industrial é orientada de matérias primas e bens intermediarios. Além dos investimentos nos portos e na logística como um todo, o desafio é ampliar uma base industrial de transformação, que aproveite essa capacidade e processamento aqui, agregando valor, e aí iremos impactar as nossas exportações”, comenta Sampaio.
No período, as exportações brasileiras chegaram a cerca de $ 225 bilhões e a importação a $ 200 bilhões, um superávit de aproximadamente $ 19 bilhões de dólares, segundo dados da Fieb.
Fonte: G1