Manifestações de junho colocaram sindicatos em xeque, dizem especialistas

26/06/2014 13:10

As ações grevistas como a dos garis do Rio de Janeiro às vésperas do Carnaval deste ano, dos motoristas de ônibus nas cidades de São Paulo e Salvador um mês antes da Copa do Mundo chamaram atenção por uma características peculiar: todas foram realizadas por movimentos dissidentes, sem aval dos respectivos sindicatos. Para especialistas, as ações mostram uma crise da representatividade sindical, relacionada, principalmente, com as manifestações pela revogações das tarifas que tomaram conta do País em junho do ano passado.

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Para o professor de sociologia do Trabalho da Unicamp Ricardo Antunes, as manifestações do ano passado colocaram em xeque o papel das instituições e isso também atingiu os sindicatos.

“A crise de representação sindical existe, atinge parcela grande das instituições e se amplia num contexto que se ampliou muito desde junho do ano passado, quando as manifestações colocaram em xeque as instituições no Brasil de um modo geral. Parlamentos e partidos tradicionais foram atingidos. As manifestações, que eram da rua, passaram a ser do trabalhadores a favor ou contra o sindicato”, diz.
03/06 – O ponto inicial das manifestações foi um protesto contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, na zona sul.

Para ele, isso acontece porque os sindicatos fazem acordos com os patrões sem a devida consulta das bases trabalhadoras. “Quando o sindicato faz acordo sem a aprovação das bases, corre o risco de ter contra ele movimentos dissidentes para lutar por melhores direitos”.

Foi o que aconteceu com a greve, que os especialistas chamam de “emblemática”, dos garis do Rio de Janeiro às vesperas do Carnaval carioca deste ano. Um grupo de garis não concordou com o acordo de reajuste salarial firmado entre o sindicato da categoria e a prefeitura do Rio de Janeiro e cruzou os braços. O acordo previa reajuste de 9% e mais 40% de insalubridade. Os grevistas queriam 100% de insalubridade.

Enquanto a prefeitura do Rio e sindicato da categoria insistiam em dizer que não tinha greve, os garis protestaram deixando as ruas da cidade cheias de lixo, fato que acabou ganhando destaque na imprensa internacional. Ao todo, 70% da categoria, que tem cerca de 15 mil garis, aderiu à greve.

O impasse foi parar na Justiça, que decretou a greve como “abusiva e ilegal”. No entanto, o movimento saiu vitorioso oito dias após o início da paralisação e conseguiu aumento de 37% nos salários, aumento de R$ 8 no vale alimentação e o compromisso de que nenhum trabalhador seria demitido. A Comlurb, empresa de limpeza urbana da cidade, chegou a anunciar a dispensa de 300 funcionários.

A professora de Direito da PUC-SP e especialista em Direito Trabalhista Fabíola Marques concorda com o sociólogo em relação às manifestações de junho. “As grandes manifestações populares começaram com o Partido dos Trabalhadores, mas acredito que essas de junho são mais populares porque são união de trabalhadores, estudantes e classe média. O povo começou a se manifestar. É a nossa Primavera Árabe. É um grande passo para uma população que não é reconhecida por lutar por seus direitos. As pessoas perceberam que conseguem resultados indo para ruas porque os sindicatos não representam mais de forma efetiva”, diz.

O motivo para essa queda na representatividade, diz ela, tem relação também com o imposto sindical, que recolhe o valor correspondente a um dia de trabalho por ano de cada trabalhador. “A questão sindical precisa de uma modificação na própria legislação porque a Constituição prevê o livre direito de associação, no entanto, na prática isso não existe porque todo empregado é obrigado a contribuir financeiramente”.

Para o advogado Alexandre Mandl, autor de uma tese de mestrado para o Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre a judicialização dos movimentos grevistas no País, a crise de representatividade decorre de vários fatores como a burocratização das instituições, o distanciamento da cúpula com os trabalhadores e o imposto sindical.

“Há um distanciamento da cúpula do sindicato, o que na prática torna mais viável uma série de movimentos de base que questionam a direção sindical que fica presa a uma lógica institucional. Em um cenário econômico adverso há a apresentação desse descontentamento”, diz.

Ele afirma que os os sindicatos não são a única forma de representativdade que os trabalhadores têm. “Fazer uma greve sem os sindicatos é legal, é constitucional. A greve é dos trabalhadores e não dos sindicatos. Tem procedimentos e estatutos que autorizam.”

Ricardo Antunes cita ainda a proximidade das centrais sindicais com o governo para explicar os movimentos dissidentes.

“O PT teve forte presença sindical nos anos 80 e 90. Com a vitória do Lula, houve um processo de cooptação dos sindicatos pelo governo. Esse processo criou uma situação difícil para as centrais, principalmente para a CUT [Central Única dos Trabalhadores], que ficou com um pé no governo e outr no movimento dos trabalhadores. É uma situação instável, que fez com que ela perdesse parte da sua representatividade. A criação do importo sindical nos final do governo Lula foi benéfica para a cúpula, mas altamente negativa para a base dos trabalhadores”, explica.

Outras paralisações

A exemplo dos garis cariocas, os motoristas e cobradores de ônibus em São Paulo cruzaram os braços no dia 20 de maio. A greve também foi protagonizada por um movimento dissidente que diz não ter sido consultada a respeito do acordo, que previa reajuste de 10% nos salários, firmado entre sindicato e prefeitura. A greve não teve aviso prévio e fechou metade dos terminais de ônibus da cidade, além de prejudicar mais de um milhão de passageiros, superlotar trens e metrô, e causar recorde de congestionamento.

“Os trabalhadores não ficaram satisfeitos com o aumento. O sindicato falou que foi aprovado em assembleia por 4 mil trabalhadores, mas a categoria tem 37 mil. Como é que eles podem dizer que foi aceito pela maioria”, disse um motorista líderes do dissidentes, que se identificou apenas como Luís.

Ele foi demitido da empresa onde trabalhava após o fim da paralisação. “O sindicato não cumpriu o papel dele, que é de defender os interesses do trabalhadores. Alguns companheiros diziam que o acordo já estava firmado antes mesmo da assembleia. Nós temos um representante legal, não seria necessário a categoria se unir sozinha para fazer greve”.

A paralisação dos motoristas e cobradores na maior cidade do País terminou dois dias depois com a Justiça decretando a abusividade do movimento e os trabalhadores voltando ao trabalho, com o apoio do sindicato da categoria. Os representantes dos trabalhadores e dos empresários receberam multa de R$ 100 mil cada.

Os rodoviários de Salvador paralisaram as atividades no dia 27 de maio. Eles também não aceitaram o acordo feito entre o sindicato e os empresários, firmado no dia anterior. Na ocasião, aos trabalhadores alegaram que o acordo foi aprovado apenas por 40 pessoas e que a categoria não pôde participar da decisão. A proposta previa reajuste de 9% e redução da carga horária em uma hora. A greve foi encerrada três dias depois, após uma assembleia dos tralhadores. Os dissidentes aceitaram o reajuste oferecido inicialmente, mais aumento de R$ 2 no vale refeição e redução na jornada de trabalho. A greve prejudicou 1,5 milhão de pessoas.

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